quinta-feira, 20 de novembro de 2025

O MIRANTE: 38 anos e muito caminho andado

A imprensa local e regional em Portugal vai seguir o exemplo de O MIRANTE quando os poderes de Lisboa forem descentralizados. Nessa altura os grandes patrões da comunicação social vão ter que comprar carros e alugar casas para os jornalistas viajarem por aí abaixo, ou por aí acima, para fazerem o seu trabalho.

Num mundo perfeito o jornalismo perdia importância. No mundo em que vivemos o jornalismo tem cada vez mais o estatuto de quarto poder, porque a sociedade precisa de vigilância, de escrutínio acima de tudo, inclusive sobre os que exercem a profissão de jornalista, de tal modo o jornalismo ganhou poder na forma como escrutina e, muitas vezes, acusa.

A frase parece um exercício de hermenêutica, mas não é; é a realidade que não é só dos tempos de hoje e vem ganhando forma a cada dia que passa. A imprensa em Portugal não tem comparação com a da vizinha Espanha, França ou Reino Unido, só para citar três bons exemplos. Lá o jornalismo tem mais força, é mais democrático, os grandes grupos de comunicação social não ficam a trabalhar paredes meias com os governantes. Espanha e França são, talvez, o melhor exemplo: os jornais regionais têm tiragens superiores aos títulos nacionais. Em Portugal só nos últimos anos é que começámos a mudar de paradigma. E não foi por acaso, foi depois do “assalto” à comunicação social, protagonizado por governos dirigidos por António Guterres e depois por José Sócrates, que redundou naquilo que sabemos; um dos grandes patrões chegou a comprar um grupo de comunicação social por 300 milhões de euros com dinheiro emprestado pela banca, e quando recebeu a empresa já valia menos de metade. Mas Joaquim Oliveira comprou na mesma, sabendo que nunca ia pagar o que contratou. Ficou célebre a sua frase sobre o negócio: “comprei um porco e agora dão-me um bacorinho”. Mas, como diz o povo, a cavalo dado não se olha o dente. Era assim no tempo de José Sócrates, que teve o sonho de pegar um boi pelos cornos, e ficar lá na cabeça, sozinho, a desembolar o touro para o mandar de volta para os curros, anulando com a pega a bravura do animal.

O MIRANTE é certamente o primeiro jornal regional em Portugal a fazer frente aos jornais ditos nacionais, que, em muitos casos, têm tiragens inferiores. Não só tiragens como leitores. Os estudos da Marketest já comprovam isso há muitos anos. A verdade é que somos o exemplo, mas ainda não temos seguidores à altura, não esquecendo, nem querendo roubar o mérito a jornais que já fazem e faziam bem o seu trabalho em muitos concelhos do interior. A única diferença é que nós agarramos uma região, e fazemos um jornalismo com meios próprios, não desistimos de manter uma redacção numerosa, o suficiente para manter o escrutínio, e, acima de tudo, a independência, mesmo afrontando o poder e alguns interesses instalados. 

Quem nos lê há muitos anos conhece algumas “guerras” que já travámos que vêm de muito longe, que mobilizaram muitos dirigentes políticos, e não só, e os seus apaniguados para cortarem a publicidade ao jornal. Um advogado chamado Oliveira Domingos, que era rei e senhor na Câmara Municipal de Santarém, no tempo do político e  empresário Rui Barreiro, conseguiu fazer-nos uma perseguição que deu um livro, só porque noticiámos que ele pedia uma indemnização de meio milhão de euros à Câmara de Santarém quando dispensaram os seus serviços. Uma simples notícia, retirada de uma reunião de câmara, manobrada por um advogado manhoso, com o apoio de um político não menos espertalhão, só não acabou com O MIRANTE porque já estávamos com as raízes muito fundas e tínhamos caminho andado. A verdade é que Oliveira Domingos desapareceu do mapa depois de sete anos de guerra judicial que chegou ao Supremo Tribunal de Justiça com uma indemnização a pagar na ordem dos 23 milhões de euros caso perdêssemos a contenda, e Rui Barreiro anda por aí como uma sombra, embora acreditemos que mais rico, porque continua a trabalhar para o Estado e, segundo sabemos, não deixou de continuar a exercer as suas influências usando o emblema do partido (PS) que ainda recentemente o tentou reabilitar nas eleições autárquicas, onde o PS voltou a perder as eleições.

A imprensa local e regional em Portugal vai seguir o exemplo de O MIRANTE quando os poderes de Lisboa forem descentralizados. Nessa altura os grandes patrões da comunicação social vão ter que comprar carros e alugar casas para os jornalistas viajarem por aí abaixo, ou por aí acima, para fazerem o seu trabalho. O MIRANTE é a agência oficial de notícias dos jornais e televisões de Lisboa, porque o país ainda é uma herdade mal dividida e mal explorada. Perto do “mar da palha” é o reino, e o resto é território de eucaliptos, estufas e ainda alguns sobreiros, para não falar do país pedrícola a norte, que esse um dia vai desaparecer, quem sabe formando uma região mais alargada da Galiza. A ideia não é ironizar, é deixar aqui uma nota importante: os nossos políticos, os que fizeram Abril e os que o continuam, não têm mãos para um país tão belo e ainda tão diferenciado, com as suas florestas, os seus rios admiráveis, o seu povo humilde e sereno. JAE

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Património ribatejano é uma boa marca mas há muito trabalho por fazer

Não há cultura sem agentes culturais, e muito menos sem a mobilização das populações locais que não têm hábitos de frequentarem museus, bibliotecas e muito menos exposições ou conferências.

A Chamusca tem à venda um edifício histórico à beira da estrada nacional que atravessa a vila que inclui uma capela  com azulejos do século XVI, que eram parte do património do Convento de São Francisco, situado na freguesia do Pinheiro Grande, fundado em 1519 pelo Rei D. Manuel I. O Convento passou por grandes transformações ao longo dos séculos. O que interessa agora para a crónica é a "época negra de destruição e de delapidação, que começou em 1926, quando a igreja do Convento é profanada, sendo transformada numa estrebaria”, com os seus azulejos retirados e vendidos a José Relvas, juntamente com os da sacristia e do claustro, e também a António Belard da Fonseca, o patriarca da família, “foram vendidos na mesma altura os azulejos e o altar de uma capela que dava para o claustro, que este colocou na capela particular da casa” que agora está à venda por valores que podem ser encontrados na internet (não é texto com o patrocínio da imobiliária, posso garantir, mas não me importava que este texto desse origem à venda, já que a Chamusca bem precisa de ajuda). 

O que não está à venda na Chamusca, mas corre perigo é a Ermida de Nossa Senhora do Pranto, datada dos finais do século XVII, “que constitui um verdadeiro ex-líbris da vila, não só porque guarda no seu interior uma preciosa colecção de azulejos setecentistas, mas também devido à sua situação privilegiada, no cimo de um dos outeiros que rodeiam a vila. O seu interior, em grande contraste com o aspecto modesto do seu exterior, é um verdadeiro museu da arte barroca portuguesa”. Quem quiser saber mais é só procurar de forma virtual. O que não vai achar é o relato do actual estado do telhado da capela, que está cheio de lixo, e precisa urgentemente de conservação e manutenção, de forma a que “a preciosa colecção de azulejos setecentistas” não fique em perigo e depois não haja dinheiro que chegue para os recuperar. A Ermida é património da Misericórdia da Chamusca. Se os políticos locais estão à espera que a Santa Casa da Chamusca vá pedir dinheiro emprestado para fazer obras, fica a pergunta: e depois onde é que vão arranjar dinheiro para o centro de dia, lar e creche, já que é a única instituição na Chamusca que presta este serviço público, em alguns casos já a preços que não servem a todas as bolsas? O mesmo, para não variar, passa-se com a Ermida do Senhor Jesus do Bonfim, mandada construir em 1746, situada no monte mais alto da vila. A igreja sofreu obras de conservação nos mandatos de Sérgio Carrinho, mas é uma Ermida ao abandono, onde deviam estar e não estão numerosos ex-votos, alguns deles já seculares, assim como alguns quadros votivos do século XVIII. Dizem que estão à guarda da Diocese de Santarém, mas é o diz que disse, é na igreja que eles deviam estar para não ficar ao abandono e ter motivos de interesse para ser visitável. A verdade é que a igreja está abandonada, e nem o facto do José Rafael viver paredes meias com a igreja, a salva de ser um templo desprezado.


Abrantes, Santarém e Vila Franca de Xira, só para referir três concelhos importantes do Ribatejo, têm museus e património de nível internacional.  A publicidade e a promoção às iniciativas e aos espaços é quase nula. Não há cultura sem agentes culturais, e muito menos sem a mobilização das populações locais que não têm hábitos de frequentarem museus, bibliotecas e muito menos exposições ou conferências. Não só é preciso dar publicidade à coisa; é preciso mostrar com artigos de opinião e divulgação, dando trabalho, sobretudo aos profissionais da área, assim como aos alunos dos cursos superiores das universidades da região.


No dia em que escrevo esta crónica (10/11/2025) comprei um casaco que posso devolver até 6 de Janeiro de 2026, recomprando-o na hora se estiver em promoção e ficar mais barato do que o preço actual. Foi o empregado da loja na cidade do Porto que me ensinou o truque, sugerindo que comprasse ali mesmo pela internet, e depois o fosse levantar na loja mais perto de casa.
Há uma marca de colchões que aceita devoluções ao fim de três meses se o cliente não estiver satisfeito. Sou um dos clientes da marca e posso dar testemunho da veracidade da campanha que já dura há vários anos. Hoje as marcas fazem tudo para se promoverem, procurando não dar espaço à concorrência. Tomo nota deste assunto em jeito de rodapé, mas não sem me explicar: os dinheiros comunitários para recuperação de património estão a um palmo dos olhos de todos os políticos que ainda vêm um palmo à frente dos olhos. Não há necessidade de lembrar que a desertificação é fruto da falta de políticas de conservação do património, da falta de capacidade dos políticos para contratarem técnicos que estudem candidaturas ao PRR, entre muitos outros programas, que fazem das vilas e aldeias uma marca (Óbidos e Golegã são bons exemplos), melhores lugares para vivermos e convidarmos outros a juntarem-se a nós. JAE .

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

A Lebre de Olhos de Âmbar; uma leitura em viagem

Tenho uma biblioteca de livros para ler, e outra de livros para cuidar, de tal forma, como escreveu Victor Hugo, para mim “uma biblioteca é um acto de fé”. Como a vida não é só política, economia e finanças, aqui fica uma nota de leitura de um livro que me puxou pelas orelhas.


Viajei recentemente para um lugar a 7 mil quilómetros de casa e, pelo caminho, em três dias, li um livro biográfico cuja história começa verdadeiramente em 1792 que é a data de nascimento de Charles Joachim Ephrussi (1792–1864), líder de uma família que fez fortuna controlando a distribuição de cereais e, mais tarde, recursos petrolíferos em grande escala. “A lebre de olhos de âmbar”, de que já me tinham falado e que vejo há muitos anos nas estantes mais à mão das livrarias, da autoria de Edmund de Waal, um seu descendente, que com este trabalho ganhou um prémio importante em 2011, data da sua edição.

O prazer da leitura não me rouba o prazer da viagem. Estou a escrever estas palavras em frente da "Ilha Mulheres", sentado na areia da praia, já quase noite, com as melgas a morderem-me como se fossem besouros e eu um bocado de couro mal curtido.

O livro não é de fácil leitura nem conta uma história à Camilo, ou à Eça, não é um romance que nos prenda à leitura, mas tem a força de uma biografia que escolhe leitores, por isso tem aguentado estes anos todos nas montras e nos escaparates das principais livrarias do país e já vai na sétima edição. 

Depois de terminar a leitura, que coincidiu com o cair da noite e o ataque dos pernilongos, mais a obrigação de me juntar a um grupo para jantarmos todos juntos, senti saudades e se pudesse voltaria na hora para o caminho de volta a casa. 

Pensei: o sentimento vai passar dentro de breves momentos, mas a história que acabei de ler, que me obrigou a mergulhar nas páginas impressas, ficou gravado como uma bofetada no meu conforto espiritual, no meu prazer burguês de poder frequentar um lugar onde tenho que me vigiar para não esquecer que só estou de férias por uns dias.

Quem nasceu e cresceu para a vida nos países democráticos não tem noção dos efeitos das guerras na vida humana, no seio das famílias, nos dramas que nenhum livro consegue explicar mesmo que seja muito bem escrito, como é este o caso.

O que estamos vivendo hoje na Europa, apesar das guerras e dos problemas da imigração, é só o princípio de tudo o que o mundo já viveu nos últimos dois séculos. Tudo bate certo: as grandes fortunas crescem todos os anos, os países ricos são cada vez mais governados pelos oligarcas e cada vez menos pelos políticos, e todos os dias aumenta o número de pessoas que se desligam dos problemas da sua comunidade, ignoram os melhores  exemplos devido à ignorância olímpica promovida pelos capitalistas e comunistas que têm as rédeas do poder, e, cada um à sua maneira, boicota o Sistema como só eles sabem, embora todos nós tenhamos acesso aos mesmos livros onde eles aprenderam a arte da guerra.

O mundo onde muitos de nós vivemos está cheio de possibilidades infinitas, e, na maior parte do globo, podemos comprar a preços de saldo quase todos os prazeres, desde os artísticos aos sexuais e comerciais mais ou menos luxuriosos. Era assim em 1883, segundo se conta no livro, relativamente aos franceses que visitavam o Japão, e é hoje em muitos mais países e com muitos mais viajantes e aventureiros, compradores de peças de arte, mas também de património imobiliário, entre tantas ofertas de investimento que ninguém leva no caixão para debaixo da terra ou para o crematório.

Foi neste livro, que é uma empolgante história de guerra e de paz, paixão e perda, que percebi que junto livros desde que me conheço porque uma “Biblioteca é um acto de fé”, que “para entender a História é preciso ler Ovídio e Virgílio, é preciso saber como os heróis enfrentam o exílio, a derrota e o regresso”. Liberto-me agora deste texto, que barbeei até fazer sangue, como um artesão se liberta dos belos e inúmeros objectos que constrói e vende ao longo da vida, feitos aos milhares, ao ponto de terem a marca de quem se libertou do seu ego. JAE.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O elogio a Francisco Pinto Balsemão, Maria Laura Santana Maia, José Rodrigues Miguéis e João Mário Grilo

Crónica sobre “um país que já não existe”, o pai que todos os jornalistas gostavam de matar, o autor de “O Milagre Segundo Salomé”, e uma mulher Juíz que vai ficar na História da Justiça em Portugal.

A morte de alguém que admiramos ou nos é querido não é suficiente para escrevermos o que nos vai na alma de forma a interessarmos quem nos lê. Na maioria das vezes somos piegas ou escrevemos com os sentimentos embotados. Francisco Pinto Balsemão era uma inspiração desde que me proporcionou entrar um pouco no seu mundo. Já escrevi aqui que fui visitar o fecho de uma edição do jornal O Almonda antes de me balançar a editar o primeiro número de O MIRANTE, mas só alguns anos depois, quando acompanhei pela primeira vez um dia de trabalho das chefias do Expresso, na véspera do dia do fecho, é que percebi o filme em que já estava metido há muito tempo, revendo cenas que eu já vivia, embora sem a dimensão e o dramatismo que observei naquela tarde de trabalho em Paço D’arcos. Era uma semana em que toda a imprensa queria saber o paradeiro de um político, que andava nas bocas do mundo, e os jornalistas do Expresso, usando o calão que eu já conhecia, mas não dominava, passaram mais de uma hora a tentar abrir caminho para terem a manchete que perseguiam.

Francisco Pinto Balsemão sempre foi reverenciado pela concorrência. Nos congressos de jornalistas era sempre a referência. Fumou muitos cigarros e arregaçou muitas vezes as mangas da camisa trabalhando muitos anos como editor ao lado de grandes jornalistas como ele. O mister do saber fazer é viciante, trabalhar em favor da democracia das instituições pode ser uma missão acima de todos os nossos interesses materiais e até mentais. Quem dirige um órgão de comunicação social tem que brigar muito com quem trabalha porque ninguém quer ao seu lado jornalistas doentes, amestrados, preguiçosos, cobardes ou mentirosos. Nos últimos anos Francisco Pinto Balsemão era só o patrão. Não sei em que dia deixou de trabalhar lado a lado com os jornalistas no fecho da edição, nem isso interessa agora. O facto de ter mantido a carteira profissional, e ser um patrão sempre presente, dava-lhe a fama e o proveito de ser o pai que todos os jornalistas do Expresso gostavam de matar.

Nestes últimos dias em que muito se escreveu sobre Francisco Pinto Balsemão, só Miguel Esteves Cardoso acertou em cheio num dos seus escritos diários no jornal Público. Francisco Pinto Balsemão “era um pai que se deixava matar, queixava-se, mas secretamente achava bem. Os jornalistas têm que ser estupores. Têm mesmo de morder a mão que lhes dá comer para não parecerem dóceis, para não passarem por bichos de estimação ( : )  Balsemão deixava fazer. Pagava para ver. Dava oportunidades. Dava constantemente o benefício da dúvida: ele não concordava, mas admitia que podia não ter razão e, como tal, deixava que se fizesse, pagava para se ver. É muito, muito difícil gerir jornalistas. Os jornalistas (se forem bons) são gente desconfiada, rebeldes, resmungões, insatisfeitos e provocadores”.

Deixo aqui três notas de uma semana em que trabalhei muito e não vi trabalho feito. A primeira é sobre a morte da Maria Laura Santana Maia. Maria Laura é uma mulher que vai ficar para a História da emancipação das mulheres que não passa pela boca dos políticos e activistas de serviço. Aos trinta anos, depois de ficar viúva, começou a estudar Direito, até ver chegar o dia em que foi nomeada juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça em Portugal, cargo que foi atribuído pela primeira vez a uma mulher; foi ainda durante muitos anos docente do Centro de Estudos Judiciários tendo marcado a vida de muitos profissionais da Justiça.


No fim-de-semana fui rever uma cópia restaurada do filme “A Estrangeira” do cineasta João Mário Grilo. Não fui só pelo filme, fui porque depois do filme iam subir ao palco o realizador e o produtor Paulo Branco. A conversa foi curta, mas serviu como lição uma vez que se falou de “um país que já não existe”.


Por causa do trabalho faltei na segunda-feira à inauguração de uma placa na rua da Saudade, 12, em Lisboa, onde nasceu José Rodrigues Miguéis. A placa só foi possível devido a uma petição pública. Só por isso valia a presença nem que fosse para ser solidário. O problema é que eu não sou de Lisboa, só durmo lá de vez em quando. José Rodrigues Miguéis é daqueles escritores de cabeceira cujos livros só se encontram nos alfarrabistas. JAE.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Isto é gozar com quem trabalha em Santarém

Uma crónica a fazer-me caro quanto ao meu interesse pelo importante festival de gastronomia que decorre em Santarém e uma experiência única com a ida ao padel, à piscina e à feira num jardim de Telheiras.

À sexta-feira, principalmente à sexta-feira, o trânsito na estrada nacional dentro da vila da Chamusca e junto à ponte Joaquim Isidro dos Reis é de bradar aos céus. A meio da tarde de um destes dias fiz uma observação sobre o assunto no local a uma pessoa que conhece bem o problema, que vive diariamente, e não obtive qualquer reacção. Mais tarde é que se fez luz. O que é que eu queria como resposta? O mesmo de sempre? Que o meu interlocutor voltasse a bater no ceguinho? De tanto vivermos certas dificuldades, uma grande parte de nós arranja maneira de as ultrapassar para poder sobreviver e seguir em frente. É o que acontece na Chamusca. A fila de carros provocada pelos semáforos incomoda e prejudica, mas não é pior que uma pandemia.


Nenhum dos meus filhos se pode queixar de ter um pai que se recusava a dar-lhe horas de bicicleta, corrida, passeios pela charneca ou pelo Tejo, horas de leitura ou de brincadeira pura e simples. Tive sorte porque os dois primeiros bem cedo prescindiram do pai em favor dos amigos. Com o terceiro a ligação demorou mais tempo e ainda chegámos a disputar taco a taco jogos de mesa, corridas de bicicleta, subidas às árvores, entre outros desportos amadores.

No sábado passei o dia com uma neta de sete anos e consegui visitar uma feira, comprar uma dúzia de livros escolhidos a dedo, de joelhos no chão, ir à piscina com ela durante quase três horas, e ainda deu tempo para uma caminhada pela cidade para comprar lâminas, duplicar chaves, entre outros afazeres. Logo às 10 da manhã, no padel, que para mim é um jogo de meninos comparado com o ténis de mesa que pratico desde os meus 10 anos, meti-me com a mãe de um rapagão e percebi como é que hoje se vive nas cidades-dormitório. A minha neta fez-me duas perguntas durante a viagem de carro que não vou esquecer: “avô esta garrafa de água é de confiança, não tem nada lá dentro que me faça mal”. “Avô o seu casaco tem alguma coisa dentro que uma criança não possa ver”? Duas perguntas que eu, ou a mãe dela, jamais faríamos nos nossos tempos de infância.


A Feira Nacional de Gastronomia de Santarém é uma iniciativa que valoriza a cidade. Eu não frequento por achar que é uma feira de vaidades, mas também porque já não tenho idade para me meter nos copos nem para comidas pesadas e picantes. No entanto, não perco as imagens dos dias de inauguração em que os políticos e alguns figurões da terra se passeiam de copo de cerveja na mão e cigarro ao canto da boca. Este ano a inauguração coincidiu (quase) com o dia a seguir às eleições. Que lindos estavam os caciques do costume, que, embora politicamente tenham perdido tudo o que havia para perder nas eleições autárquicas no concelho de Santarém, passearam-se 

sem um pingo de vergonha pelo mau exemplo que são, e acima de tudo pela responsabilidade que deviam assumir por serem os coveiros de sempre desta cidade monumental. Não falo de nomes. Não é por ter medo ou cobardia. É para não lhes dar publicidade de borla. Alguns deles ainda gozam com quem trabalha. JAE.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Um dia de eleições e muito território em Ourém

Uma visita a cinco freguesias do concelho de Ourém em dia de eleições locais foi o melhor pretexto para conhecer território que para mim ficava para lá do sol posto.


Portugal é um país com apenas três por cento de terra: o resto é mar. A comparação serve-me para falar do distrito de Santarém, do Ribatejo em particular, que é muito maior em território e beleza que o nosso tempo disponível para o percorremos e conhecermos como merece. No passado domingo fui para Ourém conversar com os líderes políticos de cinco freguesias que não tiveram concorrência nas urnas. Percorri muitos quilómetros como o leitor pode confirmar se ler o texto da página 24 desta edição. O que vi deixou-me satisfeito e orgulhoso. Em muitas dezenas de estradas, e talvez uma centena e meia de quilómetros, não vi publicidade selvagem em nenhuma esquina nem cartazes de propaganda política, que não fosse o mínimo dos mínimos, e as estradas estão todas bem conservadas, as valetas limpas e as ervas cortadas.

Percorri lugares onde sempre ouvi dizer que lá só morava o diabo, e é tudo mentira. O interior do concelho de Ourém é um território que fica a menos de 90 minutos de Lisboa. Há por lá a chamada “Cova do Lobo”, mas é apenas um lugar como muitos outros que existem do Minho ao Algarve. Há muitos anos que não via a extracção da resina dos pinheiros como acontece no interior do concelho de Ourém. E dizem os autarcas com quem falei que os fogos deram cabo de muita da economia da pequena floresta.

Todos os autarcas e população com quem falei confirmam que o concelho sofreu muito com a emigração, que não é fácil viver no interior, mas do mesmo mal já ouvi queixas em Coruche, em Rio Maior, em Aveiras de Cima, para não falar em Abrantes e Tomar, que, para quem mora no centro da região, parecem cidades que ficam no meio do caminho que fazemos para a piscina ou o ginásio (passe o exagero).

Benditas eleições que me fizeram adiar a leitura de Alexandra Alpha, de José Cardoso Pires, faltar ao encerramento da festa do cinema francês, em Lisboa, para o qual tinha convite, entre outros prazeres como ficar a gozar o tempo de ócio que não gozei quando tinha 30/40 anos e trabalhava de noite e de dia. Deviam realizar-se eleições locais no mínimo todos os anos para ouvir mais rádio e perceber que todas as estações estiveram hora e meia a encher chouriços com os jornalistas a repetirem, todos ao mesmo tempo, o que se ia dizendo nas televisões, que por sua vez também viviam todas de meia dúzia de sondagens feitas à boca das urnas numa pequena parte das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Rádios e televisões em Portugal são a maior pobreza franciscana. Várias vezes ouvi a pergunta dos jornalistas para os comentadores de serviço, enquanto eram conhecidos apenas os resultados das pequenas freguesias: “acha mesmo que estas eleições podem ser uma grande surpresa?” para as respostas que eram sempre as mesmas, embora elaboradas de formas diferentes conforme a cultura geral do comentador. A certa altura cansei-me de mudar de estação para estação e apeteceu-me deitar o rádio do carro para um caixote do lixo da auto-estrada. Ainda parei e procurei perceber se era fácil arrancar o rádio do carro e deitá-lo fora. Quando abrandei, e vi que atrás de mim vinha um carro da polícia, é que percebi que resolvia o problema rodando um botão. E assim fiz. O rádio continua desligado até hoje e o meu carro continua valorizado para quem ainda acredita que as rádios ainda são uma escola de jornalistas.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Domingo é dia de escolher os políticos de proximidade

No dia do funeral de Sérgio Carrinho revi um vídeo de uma entrevista ao autarca da Chamusca em que aparece por acidente o ex-presidente da Câmara da Golegã de outros tempos, Manuel Madeira, a dizer de fugida que não queria nada com o jornal. E já não era autarca há pelo menos 15 anos. São dessas boas memórias que um dia vou escrever um livro nem que seja só para memória futura.

Francelina Chambel, 91 anos, foi uma das cinco mulheres que presidiu a uma câmara municipal (do Sardoal) logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. A rádio Renascença descobriu-a e fez-lhe uma entrevista na sua nova casa em Cascais, onde contou como foi governar o concelho, durante 17 anos, sem qualquer experiência política e logo a seguir à queda do antigo regime. O Sardoal era a terra do marido. Saiu de Marvila, em Lisboa, onde chefiava uma secção da Segurança Social, e lá foi para o Sardoal. O que fica desta entrevista? Duas frases que pretendem envergonhar os autarcas que passam a vida a organizar festas de meio milhão de euros, a passearem-se de charrete em cortejos com o povo trajado a rigor, à boa maneira de antigamente, a alimentarem empresários taurinos, em muitos casos a gerirem orçamentos milionários em que mais de metade do dinheiro é para sustentar a pesada máquina da autarquia: “Fico horrorizada quando ouço alguns autarcas a dizerem que não fizeram uma única casa no seu concelho”, e assinala “os cinco bairros sociais que foram construídos” durante o seu mandato. Por fim, pede atitudes mais altruístas aos actuais autarcas no exercício do poder “para se esquecerem de si próprios e tratarem bem os outros”.

Já escrevi aqui que não votaria num autarca que não tivesse no seu programa eleitoral a construção de casas de renda acessível ou bairros sociais para os mais desfavorecidos. Não me admira por isso que Francelina Chambel fale deste assunto com veemência, 50 anos depois do 25 de Abril, sabendo que uma pessoa só pode ser feliz se tiver uma casa para viver. Por fim fala dos autarcas “endeusados”, que compram bons carros, lembrando que quando foi para o Sardoal não tinha carro.

Vou viver o próximo domingo a trabalhar, mas para mim já nada é como dantes. O meu trabalho não será em reportagem, por ser dia de eleições autárquicas, mas a organizar a semana para segunda-feira poder regressar à secretária e tratar dos assuntos que ainda não entreguei a ninguém. Confesso, no entanto, que tenho saudades desses tempos em que tinha essa obrigação de fazer fotos e textos nos principais concelhos onde trabalhávamos. Mas não vivo das saudades. Vivo um dia de cada vez e domingo vou viver certamente um dia feliz ganhe quem ganhar. No dia do funeral de Sérgio Carrinho revi um vídeo de uma entrevista ao autarca da Chamusca em que aparece por acidente o ex-presidente da câmara da Golegã de outros tempos, Manuel Madeira, a dizer de fugida que não queria nada com o jornal. E já não era autarca há pelo menos 15 anos. São dessas boas memórias que um dia vou escrever um livro nem que seja só para memória futura. JAE.