quinta-feira, 6 de novembro de 2025

A Lebre de Olhos de Âmbar; uma leitura em viagem

Tenho uma biblioteca de livros para ler, e outra de livros para cuidar, de tal forma, como escreveu Victor Hugo, para mim “uma biblioteca é um acto de fé”. Como a vida não é só política, economia e finanças, aqui fica uma nota de leitura de um livro que me puxou pelas orelhas.


Viajei recentemente para um lugar a 7 mil quilómetros de casa e, pelo caminho, em três dias, li um livro biográfico cuja história começa verdadeiramente em 1792 que é a data de nascimento de Charles Joachim Ephrussi (1792–1864), líder de uma família que fez fortuna controlando a distribuição de cereais e, mais tarde, recursos petrolíferos em grande escala. “A lebre de olhos de âmbar”, de que já me tinham falado e que vejo há muitos anos nas estantes mais à mão das livrarias, da autoria de Edmund de Waal, um seu descendente, que com este trabalho ganhou um prémio importante em 2011, data da sua edição.

O prazer da leitura não me rouba o prazer da viagem. Estou a escrever estas palavras em frente da "Ilha Mulheres", sentado na areia da praia, já quase noite, com as melgas a morderem-me como se fossem besouros e eu um bocado de couro mal curtido.

O livro não é de fácil leitura nem conta uma história à Camilo, ou à Eça, não é um romance que nos prenda à leitura, mas tem a força de uma biografia que escolhe leitores, por isso tem aguentado estes anos todos nas montras e nos escaparates das principais livrarias do país e já vai na sétima edição. 

Depois de terminar a leitura, que coincidiu com o cair da noite e o ataque dos pernilongos, mais a obrigação de me juntar a um grupo para jantarmos todos juntos, senti saudades e se pudesse voltaria na hora para o caminho de volta a casa. 

Pensei: o sentimento vai passar dentro de breves momentos, mas a história que acabei de ler, que me obrigou a mergulhar nas páginas impressas, ficou gravado como uma bofetada no meu conforto espiritual, no meu prazer burguês de poder frequentar um lugar onde tenho que me vigiar para não esquecer que só estou de férias por uns dias.

Quem nasceu e cresceu para a vida nos países democráticos não tem noção dos efeitos das guerras na vida humana, no seio das famílias, nos dramas que nenhum livro consegue explicar mesmo que seja muito bem escrito, como é este o caso.

O que estamos vivendo hoje na Europa, apesar das guerras e dos problemas da imigração, é só o princípio de tudo o que o mundo já viveu nos últimos dois séculos. Tudo bate certo: as grandes fortunas crescem todos os anos, os países ricos são cada vez mais governados pelos oligarcas e cada vez menos pelos políticos, e todos os dias aumenta o número de pessoas que se desligam dos problemas da sua comunidade, ignoram os melhores  exemplos devido à ignorância olímpica promovida pelos capitalistas e comunistas que têm as rédeas do poder, e, cada um à sua maneira, boicota o Sistema como só eles sabem, embora todos nós tenhamos acesso aos mesmos livros onde eles aprenderam a arte da guerra.

O mundo onde muitos de nós vivemos está cheio de possibilidades infinitas, e, na maior parte do globo, podemos comprar a preços de saldo quase todos os prazeres, desde os artísticos aos sexuais e comerciais mais ou menos luxuriosos. Era assim em 1883, segundo se conta no livro, relativamente aos franceses que visitavam o Japão, e é hoje em muitos mais países e com muitos mais viajantes e aventureiros, compradores de peças de arte, mas também de património imobiliário, entre tantas ofertas de investimento que ninguém leva no caixão para debaixo da terra ou para o crematório.

Foi neste livro, que é uma empolgante história de guerra e de paz, paixão e perda, que percebi que junto livros desde que me conheço porque uma “Biblioteca é um acto de fé”, que “para entender a História é preciso ler Ovídio e Virgílio, é preciso saber como os heróis enfrentam o exílio, a derrota e o regresso”. Liberto-me agora deste texto, que barbeei até fazer sangue, como um artesão se liberta dos belos e inúmeros objectos que constrói e vende ao longo da vida, feitos aos milhares, ao ponto de terem a marca de quem se libertou do seu ego. JAE.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O elogio a Francisco Pinto Balsemão, Maria Laura Santana Maia, José Rodrigues Miguéis e João Mário Grilo

Crónica sobre “um país que já não existe”, o pai que todos os jornalistas gostavam de matar, o autor de “O Milagre Segundo Salomé”, e uma mulher Juíz que vai ficar na História da Justiça em Portugal.

A morte de alguém que admiramos ou nos é querido não é suficiente para escrevermos o que nos vai na alma de forma a interessarmos quem nos lê. Na maioria das vezes somos piegas ou escrevemos com os sentimentos embotados. Francisco Pinto Balsemão era uma inspiração desde que me proporcionou entrar um pouco no seu mundo. Já escrevi aqui que fui visitar o fecho de uma edição do jornal O Almonda antes de me balançar a editar o primeiro número de O MIRANTE, mas só alguns anos depois, quando acompanhei pela primeira vez um dia de trabalho das chefias do Expresso, na véspera do dia do fecho, é que percebi o filme em que já estava metido há muito tempo, revendo cenas que eu já vivia, embora sem a dimensão e o dramatismo que observei naquela tarde de trabalho em Paço D’arcos. Era uma semana em que toda a imprensa queria saber o paradeiro de um político, que andava nas bocas do mundo, e os jornalistas do Expresso, usando o calão que eu já conhecia, mas não dominava, passaram mais de uma hora a tentar abrir caminho para terem a manchete que perseguiam.

Francisco Pinto Balsemão sempre foi reverenciado pela concorrência. Nos congressos de jornalistas era sempre a referência. Fumou muitos cigarros e arregaçou muitas vezes as mangas da camisa trabalhando muitos anos como editor ao lado de grandes jornalistas como ele. O mister do saber fazer é viciante, trabalhar em favor da democracia das instituições pode ser uma missão acima de todos os nossos interesses materiais e até mentais. Quem dirige um órgão de comunicação social tem que brigar muito com quem trabalha porque ninguém quer ao seu lado jornalistas doentes, amestrados, preguiçosos, cobardes ou mentirosos. Nos últimos anos Francisco Pinto Balsemão era só o patrão. Não sei em que dia deixou de trabalhar lado a lado com os jornalistas no fecho da edição, nem isso interessa agora. O facto de ter mantido a carteira profissional, e ser um patrão sempre presente, dava-lhe a fama e o proveito de ser o pai que todos os jornalistas do Expresso gostavam de matar.

Nestes últimos dias em que muito se escreveu sobre Francisco Pinto Balsemão, só Miguel Esteves Cardoso acertou em cheio num dos seus escritos diários no jornal Público. Francisco Pinto Balsemão “era um pai que se deixava matar, queixava-se, mas secretamente achava bem. Os jornalistas têm que ser estupores. Têm mesmo de morder a mão que lhes dá comer para não parecerem dóceis, para não passarem por bichos de estimação ( : )  Balsemão deixava fazer. Pagava para ver. Dava oportunidades. Dava constantemente o benefício da dúvida: ele não concordava, mas admitia que podia não ter razão e, como tal, deixava que se fizesse, pagava para se ver. É muito, muito difícil gerir jornalistas. Os jornalistas (se forem bons) são gente desconfiada, rebeldes, resmungões, insatisfeitos e provocadores”.

Deixo aqui três notas de uma semana em que trabalhei muito e não vi trabalho feito. A primeira é sobre a morte da Maria Laura Santana Maia. Maria Laura é uma mulher que vai ficar para a História da emancipação das mulheres que não passa pela boca dos políticos e activistas de serviço. Aos trinta anos, depois de ficar viúva, começou a estudar Direito, até ver chegar o dia em que foi nomeada juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça em Portugal, cargo que foi atribuído pela primeira vez a uma mulher; foi ainda durante muitos anos docente do Centro de Estudos Judiciários tendo marcado a vida de muitos profissionais da Justiça.


No fim-de-semana fui rever uma cópia restaurada do filme “A Estrangeira” do cineasta João Mário Grilo. Não fui só pelo filme, fui porque depois do filme iam subir ao palco o realizador e o produtor Paulo Branco. A conversa foi curta, mas serviu como lição uma vez que se falou de “um país que já não existe”.


Por causa do trabalho faltei na segunda-feira à inauguração de uma placa na rua da Saudade, 12, em Lisboa, onde nasceu José Rodrigues Miguéis. A placa só foi possível devido a uma petição pública. Só por isso valia a presença nem que fosse para ser solidário. O problema é que eu não sou de Lisboa, só durmo lá de vez em quando. José Rodrigues Miguéis é daqueles escritores de cabeceira cujos livros só se encontram nos alfarrabistas. JAE.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Isto é gozar com quem trabalha em Santarém

Uma crónica a fazer-me caro quanto ao meu interesse pelo importante festival de gastronomia que decorre em Santarém e uma experiência única com a ida ao padel, à piscina e à feira num jardim de Telheiras.

À sexta-feira, principalmente à sexta-feira, o trânsito na estrada nacional dentro da vila da Chamusca e junto à ponte Joaquim Isidro dos Reis é de bradar aos céus. A meio da tarde de um destes dias fiz uma observação sobre o assunto no local a uma pessoa que conhece bem o problema, que vive diariamente, e não obtive qualquer reacção. Mais tarde é que se fez luz. O que é que eu queria como resposta? O mesmo de sempre? Que o meu interlocutor voltasse a bater no ceguinho? De tanto vivermos certas dificuldades, uma grande parte de nós arranja maneira de as ultrapassar para poder sobreviver e seguir em frente. É o que acontece na Chamusca. A fila de carros provocada pelos semáforos incomoda e prejudica, mas não é pior que uma pandemia.


Nenhum dos meus filhos se pode queixar de ter um pai que se recusava a dar-lhe horas de bicicleta, corrida, passeios pela charneca ou pelo Tejo, horas de leitura ou de brincadeira pura e simples. Tive sorte porque os dois primeiros bem cedo prescindiram do pai em favor dos amigos. Com o terceiro a ligação demorou mais tempo e ainda chegámos a disputar taco a taco jogos de mesa, corridas de bicicleta, subidas às árvores, entre outros desportos amadores.

No sábado passei o dia com uma neta de sete anos e consegui visitar uma feira, comprar uma dúzia de livros escolhidos a dedo, de joelhos no chão, ir à piscina com ela durante quase três horas, e ainda deu tempo para uma caminhada pela cidade para comprar lâminas, duplicar chaves, entre outros afazeres. Logo às 10 da manhã, no padel, que para mim é um jogo de meninos comparado com o ténis de mesa que pratico desde os meus 10 anos, meti-me com a mãe de um rapagão e percebi como é que hoje se vive nas cidades-dormitório. A minha neta fez-me duas perguntas durante a viagem de carro que não vou esquecer: “avô esta garrafa de água é de confiança, não tem nada lá dentro que me faça mal”. “Avô o seu casaco tem alguma coisa dentro que uma criança não possa ver”? Duas perguntas que eu, ou a mãe dela, jamais faríamos nos nossos tempos de infância.


A Feira Nacional de Gastronomia de Santarém é uma iniciativa que valoriza a cidade. Eu não frequento por achar que é uma feira de vaidades, mas também porque já não tenho idade para me meter nos copos nem para comidas pesadas e picantes. No entanto, não perco as imagens dos dias de inauguração em que os políticos e alguns figurões da terra se passeiam de copo de cerveja na mão e cigarro ao canto da boca. Este ano a inauguração coincidiu (quase) com o dia a seguir às eleições. Que lindos estavam os caciques do costume, que, embora politicamente tenham perdido tudo o que havia para perder nas eleições autárquicas no concelho de Santarém, passearam-se 

sem um pingo de vergonha pelo mau exemplo que são, e acima de tudo pela responsabilidade que deviam assumir por serem os coveiros de sempre desta cidade monumental. Não falo de nomes. Não é por ter medo ou cobardia. É para não lhes dar publicidade de borla. Alguns deles ainda gozam com quem trabalha. JAE.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Um dia de eleições e muito território em Ourém

Uma visita a cinco freguesias do concelho de Ourém em dia de eleições locais foi o melhor pretexto para conhecer território que para mim ficava para lá do sol posto.


Portugal é um país com apenas três por cento de terra: o resto é mar. A comparação serve-me para falar do distrito de Santarém, do Ribatejo em particular, que é muito maior em território e beleza que o nosso tempo disponível para o percorremos e conhecermos como merece. No passado domingo fui para Ourém conversar com os líderes políticos de cinco freguesias que não tiveram concorrência nas urnas. Percorri muitos quilómetros como o leitor pode confirmar se ler o texto da página 24 desta edição. O que vi deixou-me satisfeito e orgulhoso. Em muitas dezenas de estradas, e talvez uma centena e meia de quilómetros, não vi publicidade selvagem em nenhuma esquina nem cartazes de propaganda política, que não fosse o mínimo dos mínimos, e as estradas estão todas bem conservadas, as valetas limpas e as ervas cortadas.

Percorri lugares onde sempre ouvi dizer que lá só morava o diabo, e é tudo mentira. O interior do concelho de Ourém é um território que fica a menos de 90 minutos de Lisboa. Há por lá a chamada “Cova do Lobo”, mas é apenas um lugar como muitos outros que existem do Minho ao Algarve. Há muitos anos que não via a extracção da resina dos pinheiros como acontece no interior do concelho de Ourém. E dizem os autarcas com quem falei que os fogos deram cabo de muita da economia da pequena floresta.

Todos os autarcas e população com quem falei confirmam que o concelho sofreu muito com a emigração, que não é fácil viver no interior, mas do mesmo mal já ouvi queixas em Coruche, em Rio Maior, em Aveiras de Cima, para não falar em Abrantes e Tomar, que, para quem mora no centro da região, parecem cidades que ficam no meio do caminho que fazemos para a piscina ou o ginásio (passe o exagero).

Benditas eleições que me fizeram adiar a leitura de Alexandra Alpha, de José Cardoso Pires, faltar ao encerramento da festa do cinema francês, em Lisboa, para o qual tinha convite, entre outros prazeres como ficar a gozar o tempo de ócio que não gozei quando tinha 30/40 anos e trabalhava de noite e de dia. Deviam realizar-se eleições locais no mínimo todos os anos para ouvir mais rádio e perceber que todas as estações estiveram hora e meia a encher chouriços com os jornalistas a repetirem, todos ao mesmo tempo, o que se ia dizendo nas televisões, que por sua vez também viviam todas de meia dúzia de sondagens feitas à boca das urnas numa pequena parte das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Rádios e televisões em Portugal são a maior pobreza franciscana. Várias vezes ouvi a pergunta dos jornalistas para os comentadores de serviço, enquanto eram conhecidos apenas os resultados das pequenas freguesias: “acha mesmo que estas eleições podem ser uma grande surpresa?” para as respostas que eram sempre as mesmas, embora elaboradas de formas diferentes conforme a cultura geral do comentador. A certa altura cansei-me de mudar de estação para estação e apeteceu-me deitar o rádio do carro para um caixote do lixo da auto-estrada. Ainda parei e procurei perceber se era fácil arrancar o rádio do carro e deitá-lo fora. Quando abrandei, e vi que atrás de mim vinha um carro da polícia, é que percebi que resolvia o problema rodando um botão. E assim fiz. O rádio continua desligado até hoje e o meu carro continua valorizado para quem ainda acredita que as rádios ainda são uma escola de jornalistas.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Domingo é dia de escolher os políticos de proximidade

No dia do funeral de Sérgio Carrinho revi um vídeo de uma entrevista ao autarca da Chamusca em que aparece por acidente o ex-presidente da Câmara da Golegã de outros tempos, Manuel Madeira, a dizer de fugida que não queria nada com o jornal. E já não era autarca há pelo menos 15 anos. São dessas boas memórias que um dia vou escrever um livro nem que seja só para memória futura.

Francelina Chambel, 91 anos, foi uma das cinco mulheres que presidiu a uma câmara municipal (do Sardoal) logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. A rádio Renascença descobriu-a e fez-lhe uma entrevista na sua nova casa em Cascais, onde contou como foi governar o concelho, durante 17 anos, sem qualquer experiência política e logo a seguir à queda do antigo regime. O Sardoal era a terra do marido. Saiu de Marvila, em Lisboa, onde chefiava uma secção da Segurança Social, e lá foi para o Sardoal. O que fica desta entrevista? Duas frases que pretendem envergonhar os autarcas que passam a vida a organizar festas de meio milhão de euros, a passearem-se de charrete em cortejos com o povo trajado a rigor, à boa maneira de antigamente, a alimentarem empresários taurinos, em muitos casos a gerirem orçamentos milionários em que mais de metade do dinheiro é para sustentar a pesada máquina da autarquia: “Fico horrorizada quando ouço alguns autarcas a dizerem que não fizeram uma única casa no seu concelho”, e assinala “os cinco bairros sociais que foram construídos” durante o seu mandato. Por fim, pede atitudes mais altruístas aos actuais autarcas no exercício do poder “para se esquecerem de si próprios e tratarem bem os outros”.

Já escrevi aqui que não votaria num autarca que não tivesse no seu programa eleitoral a construção de casas de renda acessível ou bairros sociais para os mais desfavorecidos. Não me admira por isso que Francelina Chambel fale deste assunto com veemência, 50 anos depois do 25 de Abril, sabendo que uma pessoa só pode ser feliz se tiver uma casa para viver. Por fim fala dos autarcas “endeusados”, que compram bons carros, lembrando que quando foi para o Sardoal não tinha carro.

Vou viver o próximo domingo a trabalhar, mas para mim já nada é como dantes. O meu trabalho não será em reportagem, por ser dia de eleições autárquicas, mas a organizar a semana para segunda-feira poder regressar à secretária e tratar dos assuntos que ainda não entreguei a ninguém. Confesso, no entanto, que tenho saudades desses tempos em que tinha essa obrigação de fazer fotos e textos nos principais concelhos onde trabalhávamos. Mas não vivo das saudades. Vivo um dia de cada vez e domingo vou viver certamente um dia feliz ganhe quem ganhar. No dia do funeral de Sérgio Carrinho revi um vídeo de uma entrevista ao autarca da Chamusca em que aparece por acidente o ex-presidente da câmara da Golegã de outros tempos, Manuel Madeira, a dizer de fugida que não queria nada com o jornal. E já não era autarca há pelo menos 15 anos. São dessas boas memórias que um dia vou escrever um livro nem que seja só para memória futura. JAE.

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Luís Fernando Veríssimo, Juan Arias e Paulo Pires Teixeira

Num dia de vida boa, em que houve tempo para pôr a escrita em dia, recuperei pequenas memórias destes últimos tempos.

A morte recente de Luís Fernando Veríssimo não foi surpresa, mas deixa saudades. Convivi com ele em Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brasil)  em pelo menos três iniciativas. Curiosamente, para além de fisicamente ser parecido com o meu amigo André Seffrin, que também é gaúcho, pareciam irmãos na postura, falam pouco, mas quando falam todos se calam para os ouvir. Na última vez, num auditório onde ficamos apenas quatro almas, só a mulher falava...por ele.  Distante do grupo mais de um metro, Luís Fernando Veríssimo só acenava com a cabeça e, de vez em quando, completava o que a mulher dizia. A companheira falava por ele e ele mantinha-se atento, mas, ao mesmo tempo, alheado da conversa. “O que separa o homem dos bichos é que o homem sabe que é irracional”; “Deus nos livre da burrice alheia, que a nossa é pitoresca”; “A biblioteca é o lugar onde começamos a nos conhecer”; “Vou morrer sem realizar o meu grande sonho: não morrer nunca”; “Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas”. Era um dos melhores escritores em língua portuguesa. Morreu a 30 de Agosto com 88 anos. “A morte é uma sacanagem. Sou cada vez mais contra”.

Já viajei por Moçambique há muitos anos e adorei. Se há lugares onde gostava de me perder para sempre era por lá, na praia das conchas, a três centenas de quilómetros de Nampula, e de outras tantas praias cujos nomes esqueci, mas que fazem parte dos lugares mais paradisíacos na terra. Nunca mais voltei, mas não foi por falta de convites. Há dias o Paulo Pires Teixeira, que voltou há uns bons anos para Maputo, e que foi meu companheiro nessa viagem de há muitos anos, insistiu mais uma vez para o visitar já que temos conversas para pôr em dia. Numa das mensagens escreve, depois de eu lhe dizer que é desta, que ficará “imensamente feliz”, e sugere, embora só tenha escrito três palavras, que todas juntas valem uma crónica; e é verdade, também os mais belos poemas alguma vez escritos continuam a ser os haicais, de origem japonesa, que têm apenas três versos.

Em 22 de Novembro de 2024 morreu um dos jornalistas que mais admirei ao longo da minha vida de aprendizagens. Conheci Juan Arias na sua casa no Rio de Janeiro pela mão da Suzana Vargas que era amiga da escritora Roseana Murray. Nesse dia era ele o cozinheiro e o prato era à base de alho e cebola, que a Roseana adorava e comia quase todos os dias para se vingar do primeiro marido que detestava o cheiro a alho. Juan Arias era um jornalista e escritor que dificilmente será esquecido. Era um ser humano com um coração do tamanho do Universo. Tenho todos os seus livros. Algumas das suas reportagens, quando se mudou para o Brasil, chegaram a gerar protestos do governo brasileiro junto da Embaixada de Espanha. Juan adorava Portugal e dizia que nunca tinha conhecido um país onde os nativos convidassem os turistas para almoçar, principalmente nas aldeias do norte de Portugal que visitava muitas vezes aos domingos. Com quase sete décadas de profissão, metade delas foram na Santa Sé, onde foi correspondente no Vaticano e acompanhou para o El País, jornal que ajudou a fundar, os Papas Paulo VI e João Paulo II em mais de 100 viagens. Descobriu na biblioteca do Vaticano o único códice existente escrito no dialecto de Jesus, que estava catalogado incorrectamente. Na Universidade de Roma, estudou filosofia, teologia, psicologia, línguas semíticas e dedicou-se à literatura com mais de 20 livros publicados, muitos deles editados simultaneamente no Brasil, em Portugal e em Espanha. A sua história de amor com Roseana Murray dava um romance. JAE.

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Carlos Moedas vai perder a Câmara de Lisboa; Só ele é que ainda não sabe

É surreal a classe política não ter vergonha desta falta de sentido de Estado. Morreram 18 pessoas num acidente que podia ser evitado se o elevador da Glória estivesse a funcionar como devia, ou seja, em caso de avaria de um sistema haveria mais três para evitar a tragédia. A verdade é que não houve, segundo sabemos e foi amplamente noticiado.

Carlos Moedas é o responsável político pelo desastre do elevador da Glória que matou 18 pessoas e fez muitos feridos graves. O mundo inteiro soube deste acidente que podia ser evitado se a Carris tivesse um acompanhamento muito mais profissional aos elevadores. Na hora em que avariou não funcionaram os travões e tudo aquilo que o elevador tem para funcionar na hora em que se parte um cabo, como foi o caso. Se num caso como este os políticos responsáveis não se demitem, então é certo que a culpa vai morrer solteira. A prova de que Carlos Moedas é um político de outros tempos não deriva só de não se ter demitido; é exemplo também o facto de não ter obrigado o presidente da Carris a demitir-se, e a empresa que faz a manutenção a justificar-se ou, pelo menos, a dar a cara. Neste último caso o que se sabe é confrangedor, revela gato escondido com o rabo de fora, o que compromete ainda mais os responsáveis políticos e os administradores da Carris. Uma vergonha para Portugal, para Lisboa e para os políticos em geral.

É surreal a classe política não ter vergonha desta falta de sentido de Estado. Morreram 18 pessoas num acidente que podia ser evitado se o elevador da Glória estivesse a funcionar como devia, ou seja, em caso de avaria de um sistema haveria mais três para evitar a tragédia. A verdade é que não houve, segundo sabemos e foi amplamente noticiado.

Se Carlos Moedas voltar a ganhar a Câmara de Lisboa é caso para dizer que estamos perdidos; que os políticos podem continuar a gerir sem serem chamados a dar contas das administrações das suas empresas; que para eles tanto faz que o desastre seja a queda de um muro como a avaria num elevador que causou a morte a 18 pessoas.

Portugal tem uma classe política que em muitos casos parece de terceiro mundo. Veja-se o caso recente do cartel da banca: os bancos foram apanhados a fazer joguinhos entre eles e foram multados em quase 300 milhões de euros, que já não pagam porque os tribunais não funcionaram a tempo e o processo prescreveu. É exactamente assim que também funciona o Tribunal Administrativo onde o Estado se esconde quando um cidadão recorre à justiça. A maioria dos casos demoram eternidades a serem julgados, e o Estado ganha por cansaço dos queixosos, por, entretanto, morrerem as pessoas queixosas, ou por tantas outras razões como a falta de dinheiro para continuarem a pagar a advogados.

A ascensão da direita pífia em Portugal só se explica com as políticas pífias dos partidos políticos que dominam o Sistema. Há sondagens para as próximas eleições autárquicas na região do Ribatejo, só para falar da nossa região, que a confirmarem-se 

vão deixar muita gente de boca aberta. Não vou à missa, mas se fosse rezava pela democracia e pelo funcionamento das instituições do Estado de forma que a direita pífia voltasse para dentro da farda onde se escondia. Temo que nem Deus nos salve se continuarmos a ser governados por democratas cuja missão de vida parece ser desacreditar André Ventura, que já faz da Assembleia da República o palco político para chamar a todos os seus adversários políticos a “Corja”, um termo que só abrindo o dicionário conseguimos avaliar para percebermos também o que vai ser o futuro. JAE.