quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Natal e Ano Novo é tempo de ficar em casa

Com chuva ou com sol os tempos festivos são os melhores para ficar em casa e fugir dos problemas que, regra geral, surgem quando caminhamos todos, em tempos festivos, para os mesmos destinos de férias.  

Chegou o tempo de ficar em casa. Evitar aeroportos, cidades cheias de turistas, filas para os restaurantes, entradas para os museus esgotadas, estradas entupidas de carros, falta de estacionamentos, preços inflacionados na grande maioria dos produtos, a melhor altura para nos impingirem gato por lebre sem que, com o barulho das luzes, tenhamos olhos para ver. Sim, o Natal e o Ano Novo são as datas preferidas para viajar, e por isso os acidentes nas estradas triplicam, as urgências dos hospitais podem demorar um dia para acudirem a um doente em perigo de vida, as autoridades andam mais assanhadas e perdoam menos os incautos, e para nossa desgraça até os ladrões duplicam o horário de trabalho, e encontram com muito mais facilidade os distraídos da vida que saem da sua zona de conforto, mas, mal saem, já se esqueceram dos perigos que correm.

É verdade que o Natal e os festejos do Ano Novo só acontecem uma vez por ano no calendário. Mas a festa pode muito bem ser feita depois ou até por antecipação. Não é de hoje a canção de Paulo de Carvalho, com poema de Ary dos Santos, que canta que "o  Natal é em Dezembro mas em Maio pode ser, Natal é em Setembro, é quando um homem quiser". O problema é que a poesia e a música não fazem escola na vida da maioria de nós. No máximo serve para darmos largas à alegria, nestas alturas de euforia colectiva, e até esquecemos os políticos mentirosos, que usam magia para parecerem seres de outro mundo, e nós sabendo que eles aprendem quase todos nos mesmos manuais.

A última capa do jornal Folha Nacional, órgão oficial do partido Chega, é falsa; foi alterada para revoltar ainda mais quem é contra os emigrantes e quer transmitir a ideia de que todos eles vivem à conta do Estado. É um ataque à democracia de um partido político que tem meia centena de deputados na Assembleia da República. É crime manipular fotos de capa de um jornal, que é órgão oficial de um partido, para passar uma mensagem que é literalmente falsa. Não tenho mais palavras para condenar este tipo de esperteza dos dirigentes do Chega. E não falo nem escrevo mais sobre o Natal, a não ser para dar conta de uma frase que, há muitos e muitos anos, li por baixo do desenho de um presépio num mural de uma cidade onde gostava de viver: "este ano não comas o teu presépio", num apelo que para mim faz cada vez mais sentido, e na altura só me comoveu pela beleza do desenho e pelo apelo original que, agora, já é possível encontrar na net com a ajuda da inteligência artificial. JAE.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Até 2020 viajaram mais homens até à lua que ao fundo do mar

Portugal vai ter em breve um ChatGPT com o nome de Amália e até 2020 pousaram na lua mais homens que foram ao fundo do mar. E se a coisa mudou, entretanto, foi graças a um russo que construiu uma jigajoga que consegue descer até aos 11 mil metros de profundidade, o que até há pouco tempo parecia impossível.


Gostava de ser mosca para entrar nos gabinetes de alguns presidentes de câmara da região para perceber como foi a passagem de testemunho; falo do Entroncamento e de Mação, mas também de Salvaterra de Magos e de Coruche, entre outros, onde se viveram situações bem diferentes. Começo a crónica pela política, mas vou já derivar depois de me explicar: gostava de saber como é que alguns funcionários que trabalham perto do presidente do executivo conseguem agora explicar algumas atitudes quando muitas vezes eram mais papistas que o Papa.


Nos últimos dias tive com que me entreter ao participar num colóquio na Universidade da Maia onde fiquei a saber pela voz do presidente do Sindicato dos Jornalistas que Portugal vai ter em breve um ChatGPT com o nome de Amália. O que lá fui fazer conto noutras núpcias porque às vezes é preciso ter tento a escrever.

No passado fim-de-semana troquei um workshop de dança por uma conversa na Parede sobre a praia das Avencas. Como é evidente acertei em cheio e ninguém me ligou a pedir explicações, o que diz bem o quanto sou dispensável nos encontros de dança. O convite para a conversa foi com o biólogo marinho Francisco Andrade, que ensinou-me mais sobre o mar num fim de tarde do que eu já aprendi ao longo da vida; o mar e o fundo do mar, as montanhas no mar, a impossibilidade de irmos ao fundo do mar que é bem maior que ir à lua, o Gorringe, no Atlântico, a cerca de 200 km a sudoeste do Cabo de São Vicente, uma cadeia montanhosa submarina gigante que se eleva a cerca de 5 mil metros do fundo do mar e tem dois picos principais, o Gorringe e o Gettysburg, que estão a apenas 30 metros da superfície; O facto das castanhas que comemos, ainda a festejar o S. Martinho, virem quase todas da China, assim como os pinhões, de navio, que é nesta altura o transporte mais poluente do mundo devido ao uso de combustíveis muito baratos, uma vez que a fiscalização de navios que percorrem longas distâncias permite ainda maiores sacanices. Da praia das Avencas falou-se algumas coisas que eu já sabia, mas ficou a promessa de no próximo Verão repetirmos uma maré de pé na água, para voltarmos a ouvir falar de tudo aquilo que já me esqueci.

Fiquei a saber que na COP30 no Brasil, em Belém, Portugal apresentou pela primeira vez uma proposta para a emissão de acções de investimento no nosso mar. Chama-se "Pacote Azul" e propõe a compra de acções como forma de investimento para a protecção dos oceanos como um pilar do combate às mudanças climáticas. Eu não tenho dinheiro para comprar acções mas, quem sabe, desta vez arranje uns trocos. Eu sou dos que acredita no futuro do país apesar dos Sócrates e dos Rui Barreiros desta vida.

Até 2020 tinham ido à lua mais homens do que ao fundo mar. E esta hein? Nesta altura só há um barco russo que vai até aos 11 mil metros de fundo, e segundo soube a viagem custa 150 mil euros. Mas, ao saber o quanto a pressão da água já é gigantesca a 3 mil metros, que é onde se vai mais vezes fazer investigação, eu não desço a 11 mil metros nem que me prometam ir para o céu depois de morrer esmagado.

E quem é que acredita que para vivermos numa economia sustentável, como se vivia antes da descoberta da agricultura, da domesticação dos animais, da descoberta da roda e do fogo, em vez de sermos 9 bilhões de habitantes no planeta só podíamos ser 100 mil almas? Fica aqui uma pequena amostra de quanto o mundo não é autossustentável há muitos milhões de anos.

Deixo de fora desta crónica para todo o sempre o prazer de ter lido Mercê Rodoreda, Catherine Millet, Marie de Régnier e Natalia Ginzburg. A melhor desculpa para não escrever é ler. Não conto ainda, mas deixo a informação que fui a Braga, e que dormi nas noites da tempestade Cláudia quase em cima das ondas do mar, em Gaia, que era mais perto do meu destino diário. É uma aventura quase indescritível. Por último fui ao festival de filosofia de Abrantes e tive que fazer 300 quilómetros porque ainda estava longe da Chamusca, a terra onde volto sempre e onde percebo cada vez mais espantado que se vive melhor que em Lagameças, a terra do actual presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Filipe Simões. JAE.

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

O MIRANTE: 38 anos e muito caminho andado

A imprensa local e regional em Portugal vai seguir o exemplo de O MIRANTE quando os poderes de Lisboa forem descentralizados. Nessa altura os grandes patrões da comunicação social vão ter que comprar carros e alugar casas para os jornalistas viajarem por aí abaixo, ou por aí acima, para fazerem o seu trabalho.

Num mundo perfeito o jornalismo perdia importância. No mundo em que vivemos o jornalismo tem cada vez mais o estatuto de quarto poder, porque a sociedade precisa de vigilância, de escrutínio acima de tudo, inclusive sobre os que exercem a profissão de jornalista, de tal modo o jornalismo ganhou poder na forma como escrutina e, muitas vezes, acusa.

A frase parece um exercício de hermenêutica, mas não é; é a realidade que não é só dos tempos de hoje e vem ganhando forma a cada dia que passa. A imprensa em Portugal não tem comparação com a da vizinha Espanha, França ou Reino Unido, só para citar três bons exemplos. Lá o jornalismo tem mais força, é mais democrático, os grandes grupos de comunicação social não ficam a trabalhar paredes meias com os governantes. Espanha e França são, talvez, o melhor exemplo: os jornais regionais têm tiragens superiores aos títulos nacionais. Em Portugal só nos últimos anos é que começámos a mudar de paradigma. E não foi por acaso, foi depois do “assalto” à comunicação social, protagonizado por governos dirigidos por António Guterres e depois por José Sócrates, que redundou naquilo que sabemos; um dos grandes patrões chegou a comprar um grupo de comunicação social por 300 milhões de euros com dinheiro emprestado pela banca, e quando recebeu a empresa já valia menos de metade. Mas Joaquim Oliveira comprou na mesma, sabendo que nunca ia pagar o que contratou. Ficou célebre a sua frase sobre o negócio: “comprei um porco e agora dão-me um bacorinho”. Mas, como diz o povo, a cavalo dado não se olha o dente. Era assim no tempo de José Sócrates, que teve o sonho de pegar um boi pelos cornos, e ficar lá na cabeça, sozinho, a desembolar o touro para o mandar de volta para os curros, anulando com a pega a bravura do animal.

O MIRANTE é certamente o primeiro jornal regional em Portugal a fazer frente aos jornais ditos nacionais, que, em muitos casos, têm tiragens inferiores. Não só tiragens como leitores. Os estudos da Marketest já comprovam isso há muitos anos. A verdade é que somos o exemplo, mas ainda não temos seguidores à altura, não esquecendo, nem querendo roubar o mérito a jornais que já fazem e faziam bem o seu trabalho em muitos concelhos do interior. A única diferença é que nós agarramos uma região, e fazemos um jornalismo com meios próprios, não desistimos de manter uma redacção numerosa, o suficiente para manter o escrutínio, e, acima de tudo, a independência, mesmo afrontando o poder e alguns interesses instalados. 

Quem nos lê há muitos anos conhece algumas “guerras” que já travámos que vêm de muito longe, que mobilizaram muitos dirigentes políticos, e não só, e os seus apaniguados para cortarem a publicidade ao jornal. Um advogado chamado Oliveira Domingos, que era rei e senhor na Câmara Municipal de Santarém, no tempo do político e  empresário Rui Barreiro, conseguiu fazer-nos uma perseguição que deu um livro, só porque noticiámos que ele pedia uma indemnização de meio milhão de euros à Câmara de Santarém quando dispensaram os seus serviços. Uma simples notícia, retirada de uma reunião de câmara, manobrada por um advogado manhoso, com o apoio de um político não menos espertalhão, só não acabou com O MIRANTE porque já estávamos com as raízes muito fundas e tínhamos caminho andado. A verdade é que Oliveira Domingos desapareceu do mapa depois de sete anos de guerra judicial que chegou ao Supremo Tribunal de Justiça com uma indemnização a pagar na ordem dos 23 milhões de euros caso perdêssemos a contenda, e Rui Barreiro anda por aí como uma sombra, embora acreditemos que mais rico, porque continua a trabalhar para o Estado e, segundo sabemos, não deixou de continuar a exercer as suas influências usando o emblema do partido (PS) que ainda recentemente o tentou reabilitar nas eleições autárquicas, onde o PS voltou a perder as eleições.

A imprensa local e regional em Portugal vai seguir o exemplo de O MIRANTE quando os poderes de Lisboa forem descentralizados. Nessa altura os grandes patrões da comunicação social vão ter que comprar carros e alugar casas para os jornalistas viajarem por aí abaixo, ou por aí acima, para fazerem o seu trabalho. O MIRANTE é a agência oficial de notícias dos jornais e televisões de Lisboa, porque o país ainda é uma herdade mal dividida e mal explorada. Perto do “mar da palha” é o reino, e o resto é território de eucaliptos, estufas e ainda alguns sobreiros, para não falar do país pedrícola a norte, que esse um dia vai desaparecer, quem sabe formando uma região mais alargada da Galiza. A ideia não é ironizar, é deixar aqui uma nota importante: os nossos políticos, os que fizeram Abril e os que o continuam, não têm mãos para um país tão belo e ainda tão diferenciado, com as suas florestas, os seus rios admiráveis, o seu povo humilde e sereno. JAE

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Património ribatejano é uma boa marca mas há muito trabalho por fazer

Não há cultura sem agentes culturais, e muito menos sem a mobilização das populações locais que não têm hábitos de frequentarem museus, bibliotecas e muito menos exposições ou conferências.

A Chamusca tem à venda um edifício histórico à beira da estrada nacional que atravessa a vila que inclui uma capela  com azulejos do século XVI, que eram parte do património do Convento de São Francisco, situado na freguesia do Pinheiro Grande, fundado em 1519 pelo Rei D. Manuel I. O Convento passou por grandes transformações ao longo dos séculos. O que interessa agora para a crónica é a "época negra de destruição e de delapidação, que começou em 1926, quando a igreja do Convento é profanada, sendo transformada numa estrebaria”, com os seus azulejos retirados e vendidos a José Relvas, juntamente com os da sacristia e do claustro, e também a António Belard da Fonseca, o patriarca da família, “foram vendidos na mesma altura os azulejos e o altar de uma capela que dava para o claustro, que este colocou na capela particular da casa” que agora está à venda por valores que podem ser encontrados na internet (não é texto com o patrocínio da imobiliária, posso garantir, mas não me importava que este texto desse origem à venda, já que a Chamusca bem precisa de ajuda). 

O que não está à venda na Chamusca, mas corre perigo é a Ermida de Nossa Senhora do Pranto, datada dos finais do século XVII, “que constitui um verdadeiro ex-líbris da vila, não só porque guarda no seu interior uma preciosa colecção de azulejos setecentistas, mas também devido à sua situação privilegiada, no cimo de um dos outeiros que rodeiam a vila. O seu interior, em grande contraste com o aspecto modesto do seu exterior, é um verdadeiro museu da arte barroca portuguesa”. Quem quiser saber mais é só procurar de forma virtual. O que não vai achar é o relato do actual estado do telhado da capela, que está cheio de lixo, e precisa urgentemente de conservação e manutenção, de forma a que “a preciosa colecção de azulejos setecentistas” não fique em perigo e depois não haja dinheiro que chegue para os recuperar. A Ermida é património da Misericórdia da Chamusca. Se os políticos locais estão à espera que a Santa Casa da Chamusca vá pedir dinheiro emprestado para fazer obras, fica a pergunta: e depois onde é que vão arranjar dinheiro para o centro de dia, lar e creche, já que é a única instituição na Chamusca que presta este serviço público, em alguns casos já a preços que não servem a todas as bolsas? O mesmo, para não variar, passa-se com a Ermida do Senhor Jesus do Bonfim, mandada construir em 1746, situada no monte mais alto da vila. A igreja sofreu obras de conservação nos mandatos de Sérgio Carrinho, mas é uma Ermida ao abandono, onde deviam estar e não estão numerosos ex-votos, alguns deles já seculares, assim como alguns quadros votivos do século XVIII. Dizem que estão à guarda da Diocese de Santarém, mas é o diz que disse, é na igreja que eles deviam estar para não ficar ao abandono e ter motivos de interesse para ser visitável. A verdade é que a igreja está abandonada, e nem o facto do José Rafael viver paredes meias com a igreja, a salva de ser um templo desprezado.


Abrantes, Santarém e Vila Franca de Xira, só para referir três concelhos importantes do Ribatejo, têm museus e património de nível internacional.  A publicidade e a promoção às iniciativas e aos espaços é quase nula. Não há cultura sem agentes culturais, e muito menos sem a mobilização das populações locais que não têm hábitos de frequentarem museus, bibliotecas e muito menos exposições ou conferências. Não só é preciso dar publicidade à coisa; é preciso mostrar com artigos de opinião e divulgação, dando trabalho, sobretudo aos profissionais da área, assim como aos alunos dos cursos superiores das universidades da região.


No dia em que escrevo esta crónica (10/11/2025) comprei um casaco que posso devolver até 6 de Janeiro de 2026, recomprando-o na hora se estiver em promoção e ficar mais barato do que o preço actual. Foi o empregado da loja na cidade do Porto que me ensinou o truque, sugerindo que comprasse ali mesmo pela internet, e depois o fosse levantar na loja mais perto de casa.
Há uma marca de colchões que aceita devoluções ao fim de três meses se o cliente não estiver satisfeito. Sou um dos clientes da marca e posso dar testemunho da veracidade da campanha que já dura há vários anos. Hoje as marcas fazem tudo para se promoverem, procurando não dar espaço à concorrência. Tomo nota deste assunto em jeito de rodapé, mas não sem me explicar: os dinheiros comunitários para recuperação de património estão a um palmo dos olhos de todos os políticos que ainda vêm um palmo à frente dos olhos. Não há necessidade de lembrar que a desertificação é fruto da falta de políticas de conservação do património, da falta de capacidade dos políticos para contratarem técnicos que estudem candidaturas ao PRR, entre muitos outros programas, que fazem das vilas e aldeias uma marca (Óbidos e Golegã são bons exemplos), melhores lugares para vivermos e convidarmos outros a juntarem-se a nós. JAE .

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

A Lebre de Olhos de Âmbar; uma leitura em viagem

Tenho uma biblioteca de livros para ler, e outra de livros para cuidar, de tal forma, como escreveu Victor Hugo, para mim “uma biblioteca é um acto de fé”. Como a vida não é só política, economia e finanças, aqui fica uma nota de leitura de um livro que me puxou pelas orelhas.


Viajei recentemente para um lugar a 7 mil quilómetros de casa e, pelo caminho, em três dias, li um livro biográfico cuja história começa verdadeiramente em 1792 que é a data de nascimento de Charles Joachim Ephrussi (1792–1864), líder de uma família que fez fortuna controlando a distribuição de cereais e, mais tarde, recursos petrolíferos em grande escala. “A lebre de olhos de âmbar”, de que já me tinham falado e que vejo há muitos anos nas estantes mais à mão das livrarias, da autoria de Edmund de Waal, um seu descendente, que com este trabalho ganhou um prémio importante em 2011, data da sua edição.

O prazer da leitura não me rouba o prazer da viagem. Estou a escrever estas palavras em frente da "Ilha Mulheres", sentado na areia da praia, já quase noite, com as melgas a morderem-me como se fossem besouros e eu um bocado de couro mal curtido.

O livro não é de fácil leitura nem conta uma história à Camilo, ou à Eça, não é um romance que nos prenda à leitura, mas tem a força de uma biografia que escolhe leitores, por isso tem aguentado estes anos todos nas montras e nos escaparates das principais livrarias do país e já vai na sétima edição. 

Depois de terminar a leitura, que coincidiu com o cair da noite e o ataque dos pernilongos, mais a obrigação de me juntar a um grupo para jantarmos todos juntos, senti saudades e se pudesse voltaria na hora para o caminho de volta a casa. 

Pensei: o sentimento vai passar dentro de breves momentos, mas a história que acabei de ler, que me obrigou a mergulhar nas páginas impressas, ficou gravado como uma bofetada no meu conforto espiritual, no meu prazer burguês de poder frequentar um lugar onde tenho que me vigiar para não esquecer que só estou de férias por uns dias.

Quem nasceu e cresceu para a vida nos países democráticos não tem noção dos efeitos das guerras na vida humana, no seio das famílias, nos dramas que nenhum livro consegue explicar mesmo que seja muito bem escrito, como é este o caso.

O que estamos vivendo hoje na Europa, apesar das guerras e dos problemas da imigração, é só o princípio de tudo o que o mundo já viveu nos últimos dois séculos. Tudo bate certo: as grandes fortunas crescem todos os anos, os países ricos são cada vez mais governados pelos oligarcas e cada vez menos pelos políticos, e todos os dias aumenta o número de pessoas que se desligam dos problemas da sua comunidade, ignoram os melhores  exemplos devido à ignorância olímpica promovida pelos capitalistas e comunistas que têm as rédeas do poder, e, cada um à sua maneira, boicota o Sistema como só eles sabem, embora todos nós tenhamos acesso aos mesmos livros onde eles aprenderam a arte da guerra.

O mundo onde muitos de nós vivemos está cheio de possibilidades infinitas, e, na maior parte do globo, podemos comprar a preços de saldo quase todos os prazeres, desde os artísticos aos sexuais e comerciais mais ou menos luxuriosos. Era assim em 1883, segundo se conta no livro, relativamente aos franceses que visitavam o Japão, e é hoje em muitos mais países e com muitos mais viajantes e aventureiros, compradores de peças de arte, mas também de património imobiliário, entre tantas ofertas de investimento que ninguém leva no caixão para debaixo da terra ou para o crematório.

Foi neste livro, que é uma empolgante história de guerra e de paz, paixão e perda, que percebi que junto livros desde que me conheço porque uma “Biblioteca é um acto de fé”, que “para entender a História é preciso ler Ovídio e Virgílio, é preciso saber como os heróis enfrentam o exílio, a derrota e o regresso”. Liberto-me agora deste texto, que barbeei até fazer sangue, como um artesão se liberta dos belos e inúmeros objectos que constrói e vende ao longo da vida, feitos aos milhares, ao ponto de terem a marca de quem se libertou do seu ego. JAE.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O elogio a Francisco Pinto Balsemão, Maria Laura Santana Maia, José Rodrigues Miguéis e João Mário Grilo

Crónica sobre “um país que já não existe”, o pai que todos os jornalistas gostavam de matar, o autor de “O Milagre Segundo Salomé”, e uma mulher Juíz que vai ficar na História da Justiça em Portugal.

A morte de alguém que admiramos ou nos é querido não é suficiente para escrevermos o que nos vai na alma de forma a interessarmos quem nos lê. Na maioria das vezes somos piegas ou escrevemos com os sentimentos embotados. Francisco Pinto Balsemão era uma inspiração desde que me proporcionou entrar um pouco no seu mundo. Já escrevi aqui que fui visitar o fecho de uma edição do jornal O Almonda antes de me balançar a editar o primeiro número de O MIRANTE, mas só alguns anos depois, quando acompanhei pela primeira vez um dia de trabalho das chefias do Expresso, na véspera do dia do fecho, é que percebi o filme em que já estava metido há muito tempo, revendo cenas que eu já vivia, embora sem a dimensão e o dramatismo que observei naquela tarde de trabalho em Paço D’arcos. Era uma semana em que toda a imprensa queria saber o paradeiro de um político, que andava nas bocas do mundo, e os jornalistas do Expresso, usando o calão que eu já conhecia, mas não dominava, passaram mais de uma hora a tentar abrir caminho para terem a manchete que perseguiam.

Francisco Pinto Balsemão sempre foi reverenciado pela concorrência. Nos congressos de jornalistas era sempre a referência. Fumou muitos cigarros e arregaçou muitas vezes as mangas da camisa trabalhando muitos anos como editor ao lado de grandes jornalistas como ele. O mister do saber fazer é viciante, trabalhar em favor da democracia das instituições pode ser uma missão acima de todos os nossos interesses materiais e até mentais. Quem dirige um órgão de comunicação social tem que brigar muito com quem trabalha porque ninguém quer ao seu lado jornalistas doentes, amestrados, preguiçosos, cobardes ou mentirosos. Nos últimos anos Francisco Pinto Balsemão era só o patrão. Não sei em que dia deixou de trabalhar lado a lado com os jornalistas no fecho da edição, nem isso interessa agora. O facto de ter mantido a carteira profissional, e ser um patrão sempre presente, dava-lhe a fama e o proveito de ser o pai que todos os jornalistas do Expresso gostavam de matar.

Nestes últimos dias em que muito se escreveu sobre Francisco Pinto Balsemão, só Miguel Esteves Cardoso acertou em cheio num dos seus escritos diários no jornal Público. Francisco Pinto Balsemão “era um pai que se deixava matar, queixava-se, mas secretamente achava bem. Os jornalistas têm que ser estupores. Têm mesmo de morder a mão que lhes dá comer para não parecerem dóceis, para não passarem por bichos de estimação ( : )  Balsemão deixava fazer. Pagava para ver. Dava oportunidades. Dava constantemente o benefício da dúvida: ele não concordava, mas admitia que podia não ter razão e, como tal, deixava que se fizesse, pagava para se ver. É muito, muito difícil gerir jornalistas. Os jornalistas (se forem bons) são gente desconfiada, rebeldes, resmungões, insatisfeitos e provocadores”.

Deixo aqui três notas de uma semana em que trabalhei muito e não vi trabalho feito. A primeira é sobre a morte da Maria Laura Santana Maia. Maria Laura é uma mulher que vai ficar para a História da emancipação das mulheres que não passa pela boca dos políticos e activistas de serviço. Aos trinta anos, depois de ficar viúva, começou a estudar Direito, até ver chegar o dia em que foi nomeada juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça em Portugal, cargo que foi atribuído pela primeira vez a uma mulher; foi ainda durante muitos anos docente do Centro de Estudos Judiciários tendo marcado a vida de muitos profissionais da Justiça.


No fim-de-semana fui rever uma cópia restaurada do filme “A Estrangeira” do cineasta João Mário Grilo. Não fui só pelo filme, fui porque depois do filme iam subir ao palco o realizador e o produtor Paulo Branco. A conversa foi curta, mas serviu como lição uma vez que se falou de “um país que já não existe”.


Por causa do trabalho faltei na segunda-feira à inauguração de uma placa na rua da Saudade, 12, em Lisboa, onde nasceu José Rodrigues Miguéis. A placa só foi possível devido a uma petição pública. Só por isso valia a presença nem que fosse para ser solidário. O problema é que eu não sou de Lisboa, só durmo lá de vez em quando. José Rodrigues Miguéis é daqueles escritores de cabeceira cujos livros só se encontram nos alfarrabistas. JAE.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Isto é gozar com quem trabalha em Santarém

Uma crónica a fazer-me caro quanto ao meu interesse pelo importante festival de gastronomia que decorre em Santarém e uma experiência única com a ida ao padel, à piscina e à feira num jardim de Telheiras.

À sexta-feira, principalmente à sexta-feira, o trânsito na estrada nacional dentro da vila da Chamusca e junto à ponte Joaquim Isidro dos Reis é de bradar aos céus. A meio da tarde de um destes dias fiz uma observação sobre o assunto no local a uma pessoa que conhece bem o problema, que vive diariamente, e não obtive qualquer reacção. Mais tarde é que se fez luz. O que é que eu queria como resposta? O mesmo de sempre? Que o meu interlocutor voltasse a bater no ceguinho? De tanto vivermos certas dificuldades, uma grande parte de nós arranja maneira de as ultrapassar para poder sobreviver e seguir em frente. É o que acontece na Chamusca. A fila de carros provocada pelos semáforos incomoda e prejudica, mas não é pior que uma pandemia.


Nenhum dos meus filhos se pode queixar de ter um pai que se recusava a dar-lhe horas de bicicleta, corrida, passeios pela charneca ou pelo Tejo, horas de leitura ou de brincadeira pura e simples. Tive sorte porque os dois primeiros bem cedo prescindiram do pai em favor dos amigos. Com o terceiro a ligação demorou mais tempo e ainda chegámos a disputar taco a taco jogos de mesa, corridas de bicicleta, subidas às árvores, entre outros desportos amadores.

No sábado passei o dia com uma neta de sete anos e consegui visitar uma feira, comprar uma dúzia de livros escolhidos a dedo, de joelhos no chão, ir à piscina com ela durante quase três horas, e ainda deu tempo para uma caminhada pela cidade para comprar lâminas, duplicar chaves, entre outros afazeres. Logo às 10 da manhã, no padel, que para mim é um jogo de meninos comparado com o ténis de mesa que pratico desde os meus 10 anos, meti-me com a mãe de um rapagão e percebi como é que hoje se vive nas cidades-dormitório. A minha neta fez-me duas perguntas durante a viagem de carro que não vou esquecer: “avô esta garrafa de água é de confiança, não tem nada lá dentro que me faça mal”. “Avô o seu casaco tem alguma coisa dentro que uma criança não possa ver”? Duas perguntas que eu, ou a mãe dela, jamais faríamos nos nossos tempos de infância.


A Feira Nacional de Gastronomia de Santarém é uma iniciativa que valoriza a cidade. Eu não frequento por achar que é uma feira de vaidades, mas também porque já não tenho idade para me meter nos copos nem para comidas pesadas e picantes. No entanto, não perco as imagens dos dias de inauguração em que os políticos e alguns figurões da terra se passeiam de copo de cerveja na mão e cigarro ao canto da boca. Este ano a inauguração coincidiu (quase) com o dia a seguir às eleições. Que lindos estavam os caciques do costume, que, embora politicamente tenham perdido tudo o que havia para perder nas eleições autárquicas no concelho de Santarém, passearam-se 

sem um pingo de vergonha pelo mau exemplo que são, e acima de tudo pela responsabilidade que deviam assumir por serem os coveiros de sempre desta cidade monumental. Não falo de nomes. Não é por ter medo ou cobardia. É para não lhes dar publicidade de borla. Alguns deles ainda gozam com quem trabalha. JAE.