sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O crime que nunca existiu

Uma crónica roubada das páginas do livro “O Processo - tentativas de condicionamento da informação em Portugal”, da autoria do jornalista Orlando Raimundo, que conta como começou e acabou uma tentativa de calar a informação sobre as avenças do advogado José de Oliveira Domingos assinadas no tempo de Rui Barreiro. Um livro com lançamento público marcado para 19 de Setembro.

No primeiro trimestre de 2010, o advogado de Santarém, José Oliveira Domingos, apresentou ao Ministério Público uma queixa-crime contra O MIRANTE, acusando-o de abuso da liberdade de imprensa. Em concreto, o cidadão, à partida tão respeitável como qualquer outro, dizia-se muitíssimo ofendido pelo jornal, por este ter dado dele, enquanto pessoa e homem de leis, a imagem de uma criatura ambiciosa e sem escrúpulos, capaz dos maiores atropelos para conseguir os seus objectivos. Nada disto era dito ou estava escrito no jornal, entenda-se. «Dar a imagem» não significava que em algum momento os jornalistas o tivessem comparado à controversa figura de Nicolau Maquiavel. O que tinha, afinal, acontecido? O MIRANTE tinha-se limitado a noticiar, na edição de 6 de Janeiro de 2010, que Oliveira Domingos, enquanto advogado avençado da Câmara de Santarém, exigia o pagamento imediato de meio milhão de euros, pelo acompanhamento de seis processos judiciais, transitados da anterior presidência da autarquia.
O presidente em exercício, Moita Flores, que sucedera a Rui Barreiro, surpreendido e chocado com a exorbitante exigência, avaliava-a como não sendo sequer merecedora de resposta. E isso era escrito no jornal. Nada, na notícia, era imputável à opinião do jornalista que a redigira, que se limitara a relatar os factos. Na sequência da participação criminal, o Procurador do Ministério Público do Círculo de Santarém, António Artilheiro, que deveria ter-se limitado a defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determina, tomou as dores do ofendido e deduziu a acusação.
O MIRANTE era processado porque, imagine-se, não tinha nada que se meter no assunto e muito menos que publicar notícias sobre os negócios do advogado.
É por demais evidente que a notícia estragara os planos de Oliveira Domingos. Se o assunto tivesse sido mantido em módulo sigiloso, negociado no silêncio dos gabinetes, de forma discreta, talvez ele tivesse conseguido o que queria. Sem correr o risco, o que era o mais importante, de o tema se tornar escandaloso e passar para as bocas do mundo. Ou não fosse o segredo a alma de todos os negócios. JAE

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