quinta-feira, 25 de julho de 2024

O Healing Dance e o poder das energias alternativas

Em tempo de férias duas recordações da juventude e uma boa publicidade para quem gosta de energias alternativas e tem vergonha de pedir ajuda preferindo encharcar-se de medicamentos.

Quando ainda era jovem, muito jovem, entreguei um conjunto de poemas a um editor conhecido para publicar numa revista. Esperei mais de um ano pela publicação e, nesse meio tempo, de muita impaciência da minha parte, numa de poucas conversas que tivemos, perguntou-me porque é que eu escrevia poesia. Não me lembro da resposta, mas lembro-me de um dos seus comentários logo a seguir à pergunta já que a minha resposta deve ter sido muito vaga. “Eu só escreveria poesia se soubesse que ia escrever melhor que o Fernando Pessoa”. Se não ficou por aqui o mais que disse foi com a expressão do rosto; se ele tivesse continuado certamente que me lembrava. Devo ter fugido da conversa como o diabo da cruz, coisa que lhe deve ter agradado depois de quase me ter deixado com os cabelos em pé. 

Nessa altura era um jogador de damas que participava em campeonatos nacionais nomeadamente de problemas. E como jogador cheguei a dirigir simultâneas contra dezenas de jogadores como se costuma ver nos filmes.
Um dia ouvi de um outro amigo da onça, muito mais velho do que eu, intelectual ainda no activo, o seguinte comentário: “porque é que jogas damas se o xadrez é que é o verdadeiro jogo de tabuleiro? Fraca opção meu amigo”, disse-me ele como se estivéssemos a falar da escolha entre comer uma ameixa ou um pêssego na hora de decidir que caroço é que precisamos para depois enterrar num vaso. De verdade, o jogo das damas foi uma escolha tão natural como a língua que falo, e tão importante na minha vida que me ensinou muito mais do que aprendi na escola e, em muitos casos, na vida familiar. Ainda hoje não sei jogar xadrez, e tenho pena de me ter metido no mundo da edição e do jornalismo que me roubaram o tempo que preciso, que qualquer jogador precisa, para ganhar motivação e não desistir de jogar regularmente, como já acontece comigo há muitos anos, embora vá jogando contra o computador para não deixar enferrujar o cérebro.
Estas duas histórias são as duas lições que mais recordo dos meus tempos de formação. Os dois mestres em causa eram pessoas influentes, mas cedo percebi que não ia ser aluno das suas oficinas.

Há cerca de duas dezenas de anos iniciei-me numa terapia chamada Watsu, que, entretanto, evolui para Healing Dance, que me fez despertar para uma realidade que estava longe de pensar experimentar. O Watsu pode ser dado e recebido pelas pessoas mais saudáveis do mundo, mas é a terapia ideal para pessoas com problemas mentais e físicos, pequenos ou grandes, mais ou menos graves. A terapia tem que ser realizada num tanque, ou numa piscina com a água à temperatura do corpo; o facilitador tem que ter códigos de conduta que só sabe quem imagina o que é ter um corpo nos braços dentro de água. A água termal é a ideal para esta prática. Não pratico com muita regularidade, mas este Verão já fui a dois encontros e venho sempre para casa mais jovem e animado. Confesso que a minha primeira experiência e prova de fogo foi dar terapia a um homem corpulento, mais de cem quilos, e mais peludo que o meu avô. No entanto, como estava no início e ele já era praticante, ao longo da sessão foi-me ensinando a corrigir algumas técnicas. Foi sorte de principiante, porque aprendi uma grande lição: não interessa o corpo a quem fazes terapia, interessa é a pessoa que esse corpo transporta.
Falo desta experiência de vida porque quando tenho oportunidade de praticar sinto-me de igual para igual com terapeutas que trabalham em hospitais públicos, e que vão ali buscar experiência e informação para poderem resolver problemas a alguns dos seus doentes, e deles próprios, cheios de marcas do trabalho difícil que é carregar corpos e espíritos enfermos.
Curiosamente há muito pouca adesão à terapia. Talvez o facto de ter que ser ministrada na água a 35 graus, e de haver poucos terapeutas e facilitadores, seja razão suficiente para explicar o fenómeno. As pessoas gastam raízes de dinheiro em psiquiatras, psicólogos e medicamentos, e infelizmente não procuram as energias alternativas para terem vida social e recuperarem a saúde mental e física que se tem em criança quando nada nos afecta que seja humano.
Deixo uma dica: O Rui Granja vive no Porto e tem um espaço na Rua Formosa, 349, onde realiza sessões de uma hora; o Paulo Fonte dá sessões nas Termas do Estoril todos os dias da semana, ambos por marcação. JAE.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

O dia do adeus a Joaquim Botas Castanho

Joaquim Botas Castanho soube sair a tempo da vida política; por isso deixou uma imagem de estadista que sempre lhe assentou bem, mesmo quando era apenas vereador e mais tarde vice-presidente da Câmara de Santarém.


Morreu Joaquim Botas Castanho. Soube da sua morte por uma mensagem da Joana enquanto descia a escadaria que dá acesso à praia de Cancela Velha um dos lugares mais bonitos do mundo para viver perto do mar. A minha primeira lembrança foi recordar Joaquim Botas Castanho a pescar, coisa que nunca fiz, mas ainda quero fazer quando me faltarem as pernas para descer escadas ou vencer distâncias.

Não preciso de consultar enciclopédias nem livros de frases feitas para elogiar a pessoa amiga e o político que foi Joaquim Botas Castanho. Há pessoas que nos marcam pelo exemplo, mesmo que nunca tenhamos sido amigos ou partilhado mais do que uma boa relação pessoal e respeito mútuo. Foi o caso. É impossível não referir que Joaquim Botas Castanho era um homem do PS, partido que em Santarém foi casota dos maiores sacanas que já conheci. Mas onde é que não há mosquitos se houver estábulos onde se faz criação de coelhos?

Lá para onde foi, e se me estiver a ler, Joaquim Botas Castanho não vai achar muita graça a esta crónica. No tempo em que nos conhecemos os relógios já estavam acertados pelo horário dos tempos de hoje. Uma boa parte da nossa vida política está nos antípodas daquilo que sonhamos. Quando lembrou, em entrevista a O MIRANTE, em Março de 2008, o assalto ao poder no PS escalabitano, que levou à queda do então presidente da câmara Miguel Noras e à ascensão de Rui Barreiro, já todos percebíamos que a reforma do Estado também ia ficar para as calendas gregas, e adivinhávamos o clima de greves absurdas que estão aí para confirmar o estado da Nação: greves dos funcionários da Justiça, dos guarda-rios, ASAE, polícias, guardas, professores, funcionários dos consulados, e mais do que desgraça as opções políticas na escolha de velhos do Restelo para dirigirem as nossas instituições. Joaquim Botas Castanho soube sair a tempo da vida política; por isso deixou uma imagem de estadista que sempre lhe assentou bem, mesmo quando era apenas vereador e mais tarde vice-presidente da Câmara de Santarém.

A última vez que nos vimos foi, muito recentemente, na Casa do Brasil onde lançámos dois livros. Esquecendo o tempo em que cimentámos a nossa relação pessoal, recordo com carinho a sua ajuda para organizarmos na sede do jornal um debate a pretexto da comemoração dos 500 anos do Brasil e do lançamento do livro "Carta de Pero Vaz de Caminha", numa edição da Guerra & Paz, que O MIRANTE patrocinou e que foi pretexto para uma conversa na nossa redacção com o jornalista do Expresso Henrique Monteiro, o embaixador Francisco Seixas da Costa e Manuel S. Fonseca, o editor.

Entre o tempo em que escrevi esta crónica e a data da sua publicação, o meu mergulho na praia e na paisagem marítima de Cancela Velha, e a morte de Joaquim Botas Castanho, passaram seis dias. Não alterei uma linha no texto que escrevi debaixo de um chapéu de sol com inveja de quem tem cu para ficar o dia inteiro na praia. Apaguei alguns lugares-comuns que sempre aparecem nos textos quando se escreve poesia com sentimento, mas só me lembro disso porque o compromisso com a escrita é não ser leviano nas críticas nem demasiado louvaminheiro nos elogios.

Volto à memória de Joaquim Botas Castanho quando falávamos do prazer da arte da pesca que obriga a um estilo de vida que não está ao alcance de toda a gente.

No regresso da praia encontrei o “Esmeralda” e o “Já estou aqui”, amarrados perto da margem. O sol ainda ia alto e eu tinha mais que fazer que ficar na praia preso ao adeus a Joaquim Botas Castanho. Levava um livro que não li, o cachimbo que não me apeteceu acender, e dois mergulhos na água meio choca quase que me adormeceram os miolos. Para não dizer mal da vida nem fazer a vontade ao sentimento de tristeza, que depois também vi espelhado nos barcos parados na margem, fui jantar a Vilamoura. O resto é o que quase todos já sabem, principalmente os que já viveram a noite nas Las Vegas portuguesa. JAE.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

A ocupação do espaço público com publicidade e a selvajaria do costume

As rotundas são perigosas sem cartazes gigantescos quando mais entrincheiradas. As entradas das cidades deviam ser o seu cartão de visita, mas não são: estão cheias de cartazes dos políticos, alguns muito mentirosos, a venderem o peixe estragado que somos obrigados a consumir.

As perguntas em Tomar, em jeito de protesto, pela ocupação do espaço público com cartazes, gigantes, grandes e pequenos, é tão pertinente nos dias de hoje como discutir saúde pública e a poluição do rio Nabão. Os carros inteligentes em circulação apagam a luz do ecrã quando passam por lugares mal iluminados para não prejudicarem a condução. Em certas cidades já há cartazes dez vezes mais luminosos que a luz da rua. Cada vez que levo com um desses em cima assusto-me. Por enquanto não chegaram a Tomar. Mas estão lá os outros todos que contrariam a política contra a poluição ambiental e visual, a arquitectura das casas, a cor e a beleza da paisagem e dos seus edifícios, a classificação histórica da cidade e dos seus monumentos. Não falo só dos cartazes, falo também da publicidade pirata colada de forma criminosa nos equipamentos públicos, degradando-os e provando que a selvajaria compensa. Se alguém pode colar um cartaz num equipamento público porque é que esse alguém não pode mijar também para um cantinho da parede ou deitar para o chão a beata do cigarro?

Há partidos políticos que fazem campanhas soberbas com ideias espectaculares, mas não está provado que a mensagem ganha votos. Os cartazes do PAN, do LIVRE e da Iniciativa Liberal são um bom exemplo. Se o crescimento eleitoral fosse à medida da criatividade e do número de cartazes estávamos a ser governados por outra gente. Os cartazes do PS e do PSD são grandes charutos, mas levamos com eles em cima como se os partidos políticos fossem donos da paisagem com direitos adquiridos sobre os nossos horizontes. Tudo isto à porta da nossa casa, e no coração das cidades, fazendo das rotundas praças de touros em que os cartazes são as trincheiras.

Há uma indústria poderosa por trás deste negócio da publicidade exterior. Algumas empresas sustentam-se nos milhões que facturam com os partidos políticos do nosso regime democrático que recebem dinheiro fácil proporcionado pelo número de votantes. Não é por acaso que têm o descaramento de cometerem os crimes contra a paisagem e de ultrapassarem todas as regras do bom senso, da educação cidadã, das boas práticas na relação com os 10 milhões de portugueses.

Há um dado importante com que gostava de fechar esta crónica. António Costa cativou o dinheiro do Estado e dos organismos que dependem do Estado e não deixou que nos últimos anos os vitivinicultores fizessem promoção paga aos vinhos portugueses.  Este é só um exemplo de como o rei vai nu. O governo cativou os dinheiros dos pequenos produtores de uma economia que sustenta, na sua maioria, pequenos produtores, e, entretanto, vende as barragens aos chineses, ou seja, vende o ouro ao bandido e ainda recebe como prémio um emprego na capital da Europa como se fosse o nosso Nelson Mandela.

Portugal é um filme de terror se tivermos em conta as más políticas de proximidade que fazem toda a diferença na qualidade de vida dos cidadãos. Menos política e mais cidadania… precisam-se. Chega de nos tratarem como jumentos.

É evidente que as autarquias têm um papel fundamental no governo do espaço público. As rotundas são perigosas sem cartazes gigantescos quando mais entrincheiradas. As entradas das cidades deviam ser o seu cartão de visita, mas não são: estão cheias de cartazes dos políticos, alguns muito mentirosos, a venderem o peixe estragado que somos obrigados a consumir. JAE.

quinta-feira, 4 de julho de 2024

O diabo que nos trouxe a visita do Papa e o Estado corrupto que nos destrata

À sombra da visita do Papa, que veio a Portugal fazer a Igreja facturar 200 milhões de lucro, o Estado português amnistia criminosos condenados em tribunal com uma fita métrica que o Diabo usa para se rir da Justiça de Deus.


Um dos maiores dilemas da vida de um homem perfeccionista, no trabalho, é conseguir conjugar a sua capacidade de realização com as expectativas que criou nas pessoas que o rodeiam. Confesso que sou perfeccionista, embora moderado (que sei eu!), e tenho como defeito essa dúvida, que chega a ser tormento em certas alturas, sobre se estou a dar e a fazer o melhor que sei no meu trabalho. Com esta forma de ser, que acho que vem desde os meus 14 anos, quando me lembro de falar alto para não me esquecer do que prometia a mim mesmo, com esta mania de ser perfeccionista sou também muitas vezes escravo de trabalhos e de funções que bem poderia delegar já que, com mais ou menos jeitinho, o trabalho apareceria feito.

O problema é que ninguém nasce como gostaria de ser e os que nascem mais tarde ou mais cedo mudam de ideias e querem ser outra coisa diferente daquilo que são, e muitas vezes chegam à loucura que a fronteira entre o transtorno mental e a sanidade é mais pequena que a fita de medir o tamanho do nosso nariz.

Esta semana que passou foi das que senti mais essa sensação de que ando a trabalhar pouco para o que devia. Mas o problema é que o corpo já não aguenta os serões como dantes, quando metade das coisas importantes que tinha para resolver ficavam alinhavadas roubando duas horas ao sono de uma noite. Com o avançar da idade a coisa pia mais fino.

A Alice foi multada pelo Estado em 30 mil euros por estar a trabalhar sem licença, embora tivesse tudo tratado no sítio certo; só que os burocratas encontram sempre um defeito para prolongarem a sua importância na vida de quem precisa deles. Com a multa fecharam-lhe o negócio. A vida dela nunca mais foi a mesma. Perguntei-lhe se não tinha sido amnistiada com a visita do Papa e a resposta foi à ribatejana; o ca*alho é que fui. Foram os políticos que fizeram e fazem fortunas aproveitando a sua situação de privilégio por trabalharem para o Estado e para as suas próprias empresas, valendo-se da importância que têm no sistema; foram os pequenos criminosos que roubaram por esticão, que andaram bêbados na estrada, que desviaram dinheiro.

Recentemente o jornal Público trouxe para o debate a opinião do vice-presidente do Tribunal Constitucional que considera inválida a amnistia concedida com a vinda do Papa; e a razão mete-se pelos olhos dentro: viola o princípio da igualdade entre os cidadãos inscrito na lei fundamental. Era aqui que eu queria chegar; um pequeno empresário sofreu na pele a burocracia de um Estado corrupto e cheio de burocratas que nunca lhe facilitaram a vida para legalizar o seu negócio; ao fim de sete anos, quando precisaram de facturar para o Orçamento de Estado, os inspectores foram lá, aplicaram a multa, mataram o negócio e deram cabo da vida do empresário que hoje trabalha como assalariado para poder sobreviver aos 65 anos.

Entretanto, à sombra da vinda do Papa, que veio a Portugal fazer a Igreja facturar 200 milhões de lucro, o Estado português amnistia criminosos condenados em tribunal com uma fita métrica que o Diabo usa para se rir da Justiça de Deus. Quem está a pagar uma multa ao Estado não é amnistiado, mas quem roubou, usou esquemas fraudulentos para fazer fortuna, enganou o cidadão incauto, deu cabo da vida na estrada a não sei quantas centenas de pessoas, esses tiveram direito ao perdão divino do Estado governado por políticos que se protegem como lobos famintos no meio da estepe.

Ficava bem aqui uma conclusão, mas o texto vai longo. Que me desculpem a introdução mas precisava de desabafar. É uma chatice não ter quatro braços, o dia não ter 48 horas e, pior que tudo, saber que muitos dos livros que comprei e li jamais conseguirei reler e escrever sobre eles como gostava. O resto resolve-se: é a trabalhar que conseguimos realizar o impossível. JAE.