Num dia de vida boa, em que houve tempo para pôr a escrita em dia, recuperei pequenas memórias destes últimos tempos.
A morte recente de Luís Fernando Veríssimo não foi surpresa, mas deixa saudades. Convivi com ele em Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brasil) em pelo menos três iniciativas. Curiosamente, para além de fisicamente ser parecido com o meu amigo André Seffrin, que também é gaúcho, pareciam irmãos na postura, falam pouco, mas quando falam todos se calam para os ouvir. Na última vez, num auditório onde ficamos apenas quatro almas, só a mulher falava...por ele. Distante do grupo mais de um metro, Luís Fernando Veríssimo só acenava com a cabeça e, de vez em quando, completava o que a mulher dizia. A companheira falava por ele e ele mantinha-se atento, mas, ao mesmo tempo, alheado da conversa. “O que separa o homem dos bichos é que o homem sabe que é irracional”; “Deus nos livre da burrice alheia, que a nossa é pitoresca”; “A biblioteca é o lugar onde começamos a nos conhecer”; “Vou morrer sem realizar o meu grande sonho: não morrer nunca”; “Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas”. Era um dos melhores escritores em língua portuguesa. Morreu a 30 de Agosto com 88 anos. “A morte é uma sacanagem. Sou cada vez mais contra”.
Já viajei por Moçambique há muitos anos e adorei. Se há lugares onde gostava de me perder para sempre era por lá, na praia das conchas, a três centenas de quilómetros de Nampula, e de outras tantas praias cujos nomes esqueci, mas que fazem parte dos lugares mais paradisíacos na terra. Nunca mais voltei, mas não foi por falta de convites. Há dias o Paulo Pires Teixeira, que voltou há uns bons anos para Maputo, e que foi meu companheiro nessa viagem de há muitos anos, insistiu mais uma vez para o visitar já que temos conversas para pôr em dia. Numa das mensagens escreve, depois de eu lhe dizer que é desta, que ficará “imensamente feliz”, e sugere, embora só tenha escrito três palavras, que todas juntas valem uma crónica; e é verdade, também os mais belos poemas alguma vez escritos continuam a ser os haicais, de origem japonesa, que têm apenas três versos.
Em 22 de Novembro de 2024 morreu um dos jornalistas que mais admirei ao longo da minha vida de aprendizagens. Conheci Juan Arias na sua casa no Rio de Janeiro pela mão da Suzana Vargas que era amiga da escritora Roseana Murray. Nesse dia era ele o cozinheiro e o prato era à base de alho e cebola, que a Roseana adorava e comia quase todos os dias para se vingar do primeiro marido que detestava o cheiro a alho. Juan Arias era um jornalista e escritor que dificilmente será esquecido. Era um ser humano com um coração do tamanho do Universo. Tenho todos os seus livros. Algumas das suas reportagens, quando se mudou para o Brasil, chegaram a gerar protestos do governo brasileiro junto da Embaixada de Espanha. Juan adorava Portugal e dizia que nunca tinha conhecido um país onde os nativos convidassem os turistas para almoçar, principalmente nas aldeias do norte de Portugal que visitava muitas vezes aos domingos. Com quase sete décadas de profissão, metade delas foram na Santa Sé, onde foi correspondente no Vaticano e acompanhou para o El País, jornal que ajudou a fundar, os Papas Paulo VI e João Paulo II em mais de 100 viagens. Descobriu na biblioteca do Vaticano o único códice existente escrito no dialecto de Jesus, que estava catalogado incorrectamente. Na Universidade de Roma, estudou filosofia, teologia, psicologia, línguas semíticas e dedicou-se à literatura com mais de 20 livros publicados, muitos deles editados simultaneamente no Brasil, em Portugal e em Espanha. A sua história de amor com Roseana Murray dava um romance. JAE.
Sem comentários:
Enviar um comentário