quarta-feira, 6 de junho de 2007

Depois de perder os olhos numa bela imagem…


Antes de acabar os cerca de cem metros do meu percurso a pé vi muito gente junta e tentei saber o que se passava. A conversa era sobre o Manuel Emídio. Tinha acabado de morrer no hospital de Santarém. E alguém olhava ao longe um dos filhos que daí a pouco já estava no meio do grupo de mulheres a confirmar a morte do pai. Tinha 82 anos e sempre que olhava para ele lembrava-me de uma mulher baixa e gordinha (Rosa Chora) que foi casada com ele uma vida inteira e que me tratava por primo e me beijava e tentava abraçar como nem os irmãos se abraçam uns aos outros.Na última sexta-feira, logo pela manhã, ao sair de casa, a porta do meu carro não obedeceu às ordens da chave electrónica. Andei cem metros a pé na minha vila e encontrei a Virgínia com quem conversei no meio da rua durante 15 minutos sobre o facto do José Galinha continuar algaliado depois de tantos anos e ninguém a ajudar a encontrar uma solução para aquele sofrimento. Médico para lá e médico para cá, uma pessoa fica doente só de ouvir contar como certas vidas, a partir de determinadas idades, duram anos e anos em condições que cegam e destroem a alma. Sabendo-se, muitas vezes, que a falta de soluções para tanto sofrimento está na falta de dinheiro e influência para recorrer a bons médicos e a boas clínicas.
A meio do caminho parei outra vez para uma conversa de cinco minutos e ouvi a história do António José Lopes (Guerra) que tinha morrido no dia anterior, depois de quase duas dezenas de anos de sofrimento por causa de uma doença congénita. Soube que as autoridades exigiram uma autópsia antes do corpo descer à terra e fiquei embasbacado. E dei corda a uma conversa que sei que corre na vila como o vento (ver notícia nesta edição) e que espelha a desconfiança que mina cada vez mais a relação entre as pessoas. Como se o nosso mundo fosse todo igual aquele que todos os dias nos entra em casa nos noticiários das televisões.
Quando cheguei ao meu destino, depois de perder os olhos numa bela imagem que sempre se atravessa no meu caminho, encontrei a Maria Domicilia e o Francisco Nalha, que também já vão na casa dos 80 e sempre que me vêm, principalmente ela, dá-me um abraço e um beijo como a um neto. E fala-me do tempo em que toda a gente ia para a Azambuja fazer searas de tomate, e eu também ia com os meus pais descalço e com as calças rotas no cu.
Quando voltei ao carro tinha passado uma hora. E já não tenho a certeza se não foi nesse dia que, antes de abrir a porta, estive à conversa com o António Lima que me disse que não há nada que não lhe aconteça (está quase cego, anda a caminho do IPO etc, etc…). Diz ele que só lhe falta uns cornos porque teve a sorte de casar com uma mulher séria.

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