quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Mestres da sabedoria

Não conheço melhor altura para mudar de vida que esta época festiva de Natal e Ano Novo quando todos andamos contentinhos da silva e entretidos com o umbigo. Passa por mim uma vontade de mudar, de rasgar, de morder, de levantar bem alto os braços e o espírito, de começar tudo de novo. A vida vai andando depressa demais para o meu gosto. Precisava de parar o tempo e saborear as palavras de ontem, o vinho da última colheita, as nozes e os figos do último cabaz, os marmelos que ainda estão nos valados do campo onde passeio a minha infância, demoradamente, todas as vezes que me meto pela estrada do campo direito ao mouchão de S. Braz, ali onde as águas do Tejo se ouvem correr beijando os salgueiros.
Ainda não tenho resposta, e devia ter, para algumas perguntas que fiz a mim mesmo há dias atrás quando me perguntei dentro de um livro se era possível sair pela mesma página que entrei. Continuo à procura do valor de certas palavras que aprendi quando já era crescido e não encontro ainda o que procuro em certas palavras que guardo na boca desde criança.
Tenho no correio uma carta de um amigo a dizer-me que tem a família destroçada por causa da doença, que já deixou de acreditar em Deus porque não pode facilitar a vida ao seu próprio espírito, e só revoltado consegue sobreviver. Curioso este meu amigo que gosta ainda tanto do seu cão morto como gostaria do filho que nunca teve, e da mulher que o deixou e, pelo que sei, ele nunca foi capaz de substituir por outra. Há gente assim no mundo que nos surpreende tal é a capacidade de amarem e de serem fiéis e felizes ao mesmo tempo. E quando temos a sorte dessas pessoas serem nossas amigas podemos perceber melhor o mundo em que vivemos e o quanto somos animais de afectos e crueldades.
Tenho uma vontade enorme de partir para outra, virar a vida do avesso, deixar para trás os cacos e ir à procura dos caminhos de silvas e amoras, ao encontro dos sonhos sempre adiados. Ser fiel a princípios e a compromissos é a minha forma de estar na vida. Mas às vezes paga-se caro demais essa fidelidade canina às promessas que vamos acumulando nos alicerces das nossas casas e causas. Uma forma de tentar fugir ao castigo é escrever sobre o que sentimos. Sabendo que de tanto pensar e escrever sobre o assunto o espírito vai-se educando até fazer de nós mestres da sabedoria, ou seja, aqueles que nunca falam de si mesmos.

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