quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O direito à indignação


A polémica entre os pais dos jogadores do Ferroviários e o presidente do CADE, que começou e ainda dura nas páginas de O MIRANTE, fez-me reparar no passado sábado, num jogo de juniores que fui ver ao campo municipal do Entroncamento, no espírito de trabalho dos dirigentes associativos. Nos campos de futebol dos grandes clubes os apanha bolas são miúdos privilegiados que, imagino, devem dormir mal nas vésperas dos jogos com a emoção de descerem ao relvado e poderem participar nos desafios que as televisões e as grandes assistências transformam em espectáculos de grandes vaidades. Nos campos de futebol regionais, sejam em que escalão for, o trabalho dos apanha bolas é serviço público. Não só porque é preciso andar no meio dos quintais à procura da bola como, muitas vezes, os espectadores aproveitam para “gozar” com o espírito de missão desses verdadeiros senhores do associativismo. Nalguns casos estamos a falar de homens com mais de 60 anos; homens que têm filhos e netos como alguns de nós, que nos sentamos de cigarro na boca ou a mastigar pastilha elástica enquanto vemos os nossos jovens a jogarem futebol e chamamos nomes aos árbitros.
A polémica entre o presidente do CADE e o pai de dois jogadores juniores do Ferroviários fez-me reparar melhor no trabalho da senhora (que tem nome mas eu não perguntei ainda) que todos os sábados percorre dezenas de vezes o campo de futebol a vender rifas para o sorteio de uma garrafa de vinho verde. A finalidade é angariar fundos para que os jogadores possam comer chocolates no intervalo dos jogos e duas sandes bem aviadas no final de cada partida. Quantos de nós, que temos filhos a jogar nestas equipas, mostramos reconhecimento pelo trabalho dos dirigentes associativos que não são presidentes nem treinadores dos clubes mas gente solidária, bairrista no melhor sentido da palavra, que se realiza servindo quem muitas vezes passa por eles a meio da semana e nem os reconhece para lhes dar os bons dias.
A polémica entre o presidente do CADE e os pais de dois jogadores do Ferroviários é um sinal dos tempos. Um sinal também de afirmação da informação regional e local. Os jogadores servem os clubes abnegadamente mas os clubes muitas vezes querem servir-se dos atletas muito para além do que eticamente é aceitável. E o contrário, às vezes, também é verdade.
“Mentiroso” e “cachopo”, palavras aparentemente ofensivas usadas na disputa verbal entre as duas partes que se sentem com razão na contenda, não são suficientes para dar trabalho a um juiz. Mas os tribunais são uma boa arma de arremesso quando as pessoas perdem a razão. Tudo isto, comparado com o trabalho dos apanha bolas e das senhoras que vendem rifas, é razão para rir e chorar por mais. A cidadania não se exerce de boca calada pagando e não dando conta do que nos vai na alma. Por mim ficava aqui a vida toda a editar textos que ajudem as pessoas a perderem o medo de exercerem o direito à indignação e à liberdade de opinião. 

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