quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Uma semana de leituras e alguns desvelos

Uma semana de grandes leituras que proporciona escrever aqui sobre pessoas que admiro como é o caso de Miguel Esteves Cardoso, Lídia Jorge, Leila Slimani, Anna Lembke e Francisco Pinto Balsemão.

Há semanas em que os jornais e as revistas dão tanto trabalho que ler parece um ofício a tempo inteiro. Só quem trabalha nesta profissão percebe a necessidade de ler regularmente os principais jornais e revistas de referência.  A revista Visão da passada semana demorou duas noites a ler. Miguel Esteves Cardoso regressou em força com um novo livro e uma entrevista de ler e chorar por mais. Respigo uma resposta a uma pergunta de João Pedro George sobre a censura do poder no jornalismo, em ditadura, ou em democracia como foi o caso em 1988 na RTP. “A pessoa que censura está sempre tramada. Mesmo a curto prazo, quem censura é sempre o mau da fita, tem assim um fulgor durante dois ou três minutos. É hilariante imaginarmos aqueles desgraçados todos na comissão (da RTP) a dizer: “É melhor não tirar o episódio. Eh pá! Deixa estar, porque assim falam muito, lembra-te do que aconteceu com o Saramago.” Mas depois dizem: “Não, vamos censurar, que se lixe, pá.” Ninguém falava daquelas entrevistas e, de repente, alguém diz que aquilo é suficientemente importante para ser apagado: “Eh pá! Isto pode ser perigoso.” “Eu sou perigoso!?” É a coisa melhor que se pode chamar a alguém. Eu, perigoso? A partir desse momento uma pessoa sai à rua com outro ar. Eu sou perigoso. É melhor afastarem-se”. 

Na mesma edição da Visão vale a pena ler e recortar uma entrevista com a psiquiatra e investigadora Anna Lembke, assinada por Clara Soares, que lembra um dos problemas maiores dos nossos tempos: “ Quanto mais rica é uma nação, mais infelizes são as pessoas. A adição é o lado negro do capitalismo, que assenta na ideia do consumo sem limites”.  “Renunciar ao excesso de apelos que nos tornam vulneráveis à dependência, e convidar a dor para as nossas vidas, pode devolver-nos o contentamento e deixar-nos mais resilientes (:) aceitar  a incerteza e caminhar com os nossos medos é a via para ter pensamentos e emoções sustentadas e produzir algo novo”. 

No feed da Google a revista Máxima ofereceu-me a leitura de uma entrevista e uma sessão de fotos artísticas com a escritora Leila Slimani, uma das maiores desta nova geração de escritores sem mordaça. A conversa mostra que os grandes escritores não falam só de literatura, não falam mesmo nada nalguns casos, e noutros falam o mínimo que podem, mas gritam a favor dos direitos das minorias, contra o poder dos grandes grupos económicos que parece que não conhecem limites.

Numa estante de uma livraria li, de pé, durante quase meia hora, uma entrevista com Lídia Jorge que acabou de publicar “Misericórdia“, o seu décimo segundo romance, onde assume a voz da sua mãe à beira da morte. Sou leitor de Lídia Jorge desde “O Dia dos Prodígios”, editado em 1980. Lídia Jorge é membro do Conselho de Estado e pouca gente sabe disso; assume que aceitou para exercer a liberdade em voz alta, e para falar de política e dizer que “o poder distribui milhões para ajudar as pessoas mais pobres, mas depois fazem umas contas e quem recebe mais são os que têm mais, e os que têm menos recebem menos”. “O que quer dizer que por princípio dizem que estão a combater a pobreza, mas é falacioso: o que se combate são os pobres que vão ficando ainda mais pobres em relação aos outros”.

Resumo o efeito surpresa das leituras dos últimos dias e escrevo, por último, sobre a autobiografia de Francisco Pinto Balsemão que já vai na terceira edição. Na altura em que o livro ganhava corpo ouviu-o confessar, na varanda do cinema S. Jorge, enquanto fumávamos um cigarro, que estava com algumas dificuldades para recuperar algumas memórias, importantes para o livro, da sua longa carreira como político, jornalista e editor, devido à dispersão de alguns documentos e à incapacidade para organizar tudo como gostava para não faltar à verdade. O livro está aí, a vender-se como seria de esperar, e é um testemunho coerente com a sua importância como cidadão, mas também como uma das figuras mais importantes da sociedade portuguesa do últimos 60 anos. Curiosamente, embora seja um novato nestas andanças, alguns daqueles assuntos mais ligados ao jornalismo também me dizem respeito, e quase posso dizer que participei neles. JAE.

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