quinta-feira, 8 de agosto de 2024

As curandeiras, bruxas e aprendizes de feiticeiros

O mal de inveja é um dos trabalhos mais solicitados nas consultas das bruxas; elas têm que acudir a mulheres que são traídas, cornudos mansos, gente endividada e clientes que sofrem de mau olhado.

Confesso que tenho simpatia pelas bruxas e curandeiras embora por motivos diferentes. Mas há um que é comum às duas artes que faz com que tenha interesse e goste de ir sabendo novas e mandadas do demónio: falo do jeito que bruxas e curandeiras têm para adivinhar que parte do nosso corpo é mais doente que fraco é o nosso cérebro. Jamais as bruxas governavam a vida se os nossos cérebros não estivessem, em muitos casos, em estágio na idade média. São, no entanto, as doenças mais modernas, que nos trazem a morte lenta, que alimentam a arte do demónio que bruxas e curandeiras tão bem sabem desempenhar.

O mal de inveja é um dos trabalhos mais solicitados nas consultas das bruxas; elas têm que acudir a mulheres que são traídas, cornudos mansos, gente endividada, clientes que sofrem de mau olhado, tudo problemas reais que as personalidades fracas, que não conseguem olhar o sol de frente, acham que conseguem resolver consultando as feiticeiras que, na maioria dos casos, só sabem contar dinheiro. Também há casos irreversíveis de pessoas que já nasceram com a massa cerebral grossa demais, e em vez de irem nadar no Tejo ou correr para o meio dos sobreiros para amaciarem a coisa, resolvem brigar com os pais, filhos, amigos, namorados, companheiros de trabalho, vizinhos, etc etc, e assim envenenarem a sua vida e a dos que lhe estão próximos. Nada do que escrevi até agora justifica o que deu origem a esta crónica que é o quanto gosto das bruxas. A minha última experiência foi numa feira medieval a ver uma bruxa transmitir oralmente o que designava cada runa que os clientes tiravam de um caldeirão. Dizem que a prática tem mais de três mil anos e foi retomada na idade média. Durante três horas em que vadiei por uma feira cujo recinto tinha mais de vinte mil pessoas, a fila para a Curandeira tinha sempre entre três a quatro dezenas de pessoas. Ouvi algumas gargalhadas sonoras e vi alguns rostos incrédulos. Mas tudo aquilo me fascinou porque é um artista a brincar com as palavras e com a fé dos outros, um artista devidamente caracterizado num palco a fazer jus a uma frase de Fernando Pessoa que bem pode ser adaptada a este caso: a bruxaria existe porque a vida não chega.

Para não pensarem que falo de cor... também fui à bruxa duas vezes; daquelas visitas a sério em que temos que temer pela nossa saúde mental, ou então a consulta não merece o preço que pagamos. Os resultados foram diferentes, mas podem ser explicados numa frase curta; se a bruxa te convenceu... tens que lá voltar até ficares curado do teu fraco entendimento da vida.

Conheço muita gente que atribui os seus azares às pragas, ao mau olhado, às armadilhas da inveja, aos agouros, e não posso terminar esta crónica sem dizer que ouço estas queixas desde a minha infância, na altura às mulheres que ripavam camisas de milho no palheiro do José Pedro Guilherme, na Chamusca, e algumas choravam porque na noite anterior o diabo do marido tinha levado para casa o demónio em forma de barril de vinho. Também já me rogaram pragas, enviaram cartas anónimas com pozinhos de perlimpimpim, trouxeram recados de consultas partilhadas levando o meu nome e data de nascimento; já me leram a mão e deitaram as cartas e, na maioria dos casos, quase que me deixei apaixonar pelo prazer de falarem de mim sem saberem quem eu era e sou.

Fica aqui um texto que guardo no computador que roubei das redes sociais a uma bruxa que vive como uma bruxa e que conheci por ser gerente de um alojamento local. E é o texto que me faz gostar de bruxas, coisa que dificilmente conseguiria explicar por palavras minhas.


ENCONTRA UMA BRUXA. Bruxas são mulheres sensuais, que não têm medo de demonstrar os seus sentimentos, não seguram a sua gargalhada, nem as suas lágrimas. Sentem 100% tudo ao seu redor, por isso são confusas e consideradas muitas vezes doidinhas. Elas demonstram no seu cabelo a sua liberdade, expressam a sua magia nos seus colares de pedras e cristais, amuletos especiais e tatuagens.

Podes encontrar uma Bruxa no supermercado, no corredor dos temperos, experimentando ervas soltas, mas também no corredor dos chocolates. Podes encontrar uma Bruxa na rua, distraída com o céu, a tirar uma foto do Sol, a tocar numa árvore com gentileza, conversando com um cão ou gato e até simplesmente respirando fundo. Podes encontrar uma Bruxa no shopping, toda arrumada e de preto, com os seus acessórios diferentes, com a sua cara séria, mas que sorri com facilidade. Distraída na loja do ocultismo ou mesmo na livraria.

Podes vê-la quando estás com amigos, em alguma festa, na escola quando vais buscar os teus filhos, e até mesmo no jardim quando vais passear o teu cão. Podem vestir farda e até terem um emprego super normal, mas existe algo nos olhos delas que as denunciam. A maneira como falam, como olham, como mexem no cabelo e até mesmo como sorriem. Encontra uma bruxa e encontrarás uma amiga. É muito fácil reconhecê-las, andam muitas por aí, disso podes ter a certeza. JAE.

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