quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Os rios também correm para a morte

Durante três horas andei cerca de três quilómetros ao lado de um aqueduto secular que em tempos levava a água da nascente do Alviela para matar a sede à população de Lisboa; e vi à luz do luar como no rio Alviela corre uma água cristalina, embora seja fácil concluir que os rios também correm para a morte.

Sou jornalista mas não sou parvo. Por isso procuro, em função da minha vontade de viver mais uns anos com alguma qualidade de vida, empenhar-me no meu trabalho sem fazer futurologia. Em vez de ficar a ler todos os jornais e revistas e textos literários e de viagens que me chegam de todos os endereços do mundo, vou caminhar, nadar, andar de bicicleta ou de mota, ver cinema e teatro, visitar livrarias como se visita, ou visitava, a casa da avó.

Esta semana fui caminhar de noite por caminhos do Alviela à procura de ver a chuva de estrelas, mas de verdade só vi mesmo as estrelas no céu e viajei enquanto durou a caminhada e a meia hora em que estive deitado na terra a admirar a beleza do firmamento. Como para ver não é preciso estar de boca fechada, troquei conversa com pessoas que vivem na minha aldeia global e fiquei a saber que Casével, no concelho de Santarém, deve ser a única aldeia no mundo que antes de ter um projecto para a instalação de saneamento básico tem um projecto para um aeroporto internacional; e que ali bem pertinho as casas de São Vicente do Paul não têm número de porta mas os carteiros conseguem distribuir, sem problemas, o correio entre uma população que deve chegar às mil pessoas. 

Durante três horas andei cerca de três quilómetros ao lado de um aqueduto secular que em tempos levava a água da nascente do Alviela para matar a sede à população de Lisboa; e vi à luz do luar como no rio Alviela corre uma água cristalina até chegar ao território onde as fábricas e as indústrias usam e abusam das virtudes da mãe natureza. Caso para dizer que os rios também correm para a morte.

Os Olhos de D`água na Louriceira, Alcanena, são um pequeno paraíso para quem sabe, da experiência da vida vivida, notar as diferenças entre viver nas cidades atulhadas de carros e de poluição, e num território onde partilhamos os caminhos com os pastores e os rebanhos, podemos dormir ou simplesmente ficar a noite ao relento, deixar o carro à porta de casa, parar no meio da rua para ver o nascer ou o pôr do sol, mas também a chuva de estrelas mesmo que só vejamos as luzes dos aviões que tomaram conta das estradas do céu.

Escrever é como correr. Não é como mijar.

O verão é sempre boa altura para recomendar livros novos. Miguel Esteves Cardoso acabou de lançar um livro para quem gosta de escrever e não sabe como alimentar o fogo da escrita. "Como Escrever" é uma viagem com o autor como nunca foi possível nos seus livros anteriores, nem tão pouco nas suas crónicas diárias no jornal Público. O livro não é recomendado para quem não acha, como Miguel Esteves Cardoso, que "escrever é o nosso melhor meio de expressão". Também não se recomenda a pessoas que não entendem porque é que "escrever é um falar melhorado. Um falar em que temos tempo para pensar. E tempo para procurar as palavras apropriadas. E tempo para organizá-las de forma a dizer melhor o que têm para dizer". "Escrever é indiscutivelmente a melhor forma de expressão. E a mais respeitada e, logo, a que mais resultados obtém". "Corte o mal pela raíz: aprenda a escrever". Ora aqui está um livro surpreendente, escrito por alguém que é, talvez,  o melhor de todos nós a escrever, embora seja também aquele que mais deve conhecer os defeitos de quem faz tudo para alimentar a preguiça de escrever. "Escrever é como correr. Não é como mijar. E, no entanto, os principiantes escrevem como mijam: quando lhes apetece. Esperam que a vontade de escrever se torne avassaladora e depois escrevem, pressionados pela pressa de desabafar. Confundem a inspiração com a pressão da bexiga". Um livro imperdível para quem gosta do MEC e não quer morrer estúpido. JAE .

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