Nada melhor para falar de política que meter a literatura pelo meio.
Portugal tem tantos institutos públicos como tem impostos no activo para as empresas e os empresários. Dizem as associações que são mais de quatro mil. Quando li a notícia não quis acreditar, mas é verdade, e mesmo que não tenha ido procurar como é possível um Estado ter quatro mil impostos activos não deixei de pensar no assunto.
Por causa de uma frase de José Saramago, cuja obra também vive comigo todos os dias, consegui desenvolver alergia aos políticos de meia tigela que vivem à sombra dos cargos dos institutos públicos, saltando de um para outro ao longo dos anos como as raposas saltam de galinheiro em galinheiro. “O heróico num ser humano é não pertencer a um rebanho”.
Estou a escrever com a “História do Cerco de Lisboa” na mala para amanhã viajar bem acompanhado. Dizem que é um dos seus melhores livros, mas também já diziam isso de “Todos os Nomes” e não é definitivamente melhor do que “Manual de Pintura e Caligrafia”, provavelmente um dos menos lidos e talvez um dos melhores e mais biográficos, embora bem anterior a tudo o que Saramago escreveu já como escritor famoso.
Enquanto escrevo esta crónica leio a notícia de que João Céu e Silva vai republicar a biografia de António Lobo Antunes com uma grande diferença; há uma introdução que anuncia que o escritor está vivo, mas demente. Há dias falei dele aqui a propósito de Vale Abraão, de Agustina, e não disse que ele quase destrata José Saramago no prefácio do livro, embora não seja novidade que a rivalidade pode cegar. Já a prosa, quando é boa literatura, como é o caso de Agustina, a autora de a Sibila, “com quem se aprende como as trevas são claras e como tudo é excepcional. Os livros de Agustina são um alimento difícil porque a transgressão sistemática dos nossos conceitos racionais é metodicamente eficaz, substituindo-os por uma espécie de nudez primordial, escreve Lobo Antunes”.
João Céu e Silva, também biógrafo de José Saramago, é um jornalista do DN natural de Alpiarça, o mais destacado jornalista da actualidade a dedicar-se à literatura. João Céu e Silva tem uma vasta obra publicada, alguns livros premiados, e, ao nível das biografias, é um verdadeiro recordista com livros publicados sobre Álvaro Cunhal, Pulido Valente, Maria Filomena Mónica, Manuel Alegre e Miguel Torga, para além dos já citados Saramago e Lobo Antunes.
Nada melhor para falar de política que meter a literatura pelo meio. O que eu queria mesmo escrever esta semana era sobre os milhares de institutos públicos que servem às mil maravilhas para dar emprego à rapaziada dos partidos políticos que não gostam de dobrar a mola e só sobrevivem por serem parte do rebanho. Tenho razões para me queixar de alguns fantoches que ocuparam lugares em organismos de Estado de grande relevância, e sei que alguns nos fecharam a porta para agradarem a camaradas que se foram queixar de trabalho editorial que não lhe agradava. Não tenho mordaça e podia escrever os nomes deles, mas a decência ainda é uma virtude e, neste caso, aplica-se o ditado: nomeá-los é dar-lhes importância.
Enquanto escrevo deito o olho à mala de viagem e tento perceber do que é que me vou esquecer desta vez.
Quem não viaja não tem ilusões. JAE.