Há uma campanha de mensagens de ódio contra os meios de comunicação social que não são espontâneas. A normalização de estados de ódio é o perigo mais patente para uma democracia, revela estudo publicado na vizinha Espanha que, como é evidente, tem reflexos que atingem todos os países onde há democracia.
Na passada semana fiz-me caro ao receber um telefonema em Madrid, onde fui comprar dois livros e visitar duas exposições, na véspera do fecho da edição de O MIRANTE. Lembrei-me que não tinha a crónica escrita e desabafei com o editor que não me apetecia nada apurar o caldo dos textos que tenho sempre, mais ou menos, preparados e adiantados. Recebi como resposta: deixe estar; o jornal vai ficar com muito texto de fora e assim aproveitamos a última página para publicar notícias. E assim foi. Desliguei do assunto e engoli a desfeita. Um dia destes vou ouvir dizer, já com os olhos semicerrados, que o cemitério está cheio de pessoas insubstituíveis. É bom ter quem nos vá abrindo os olhos antes de os fecharmos definitivamente.
O MIRANTE publica nesta edição a segunda parte de uma entrevista com o jornalista do DN João Céu e Silva. Há razões para conversar com ele que vão da sua experiência como jornalista até à sua carreira como biógrafo e romancista. Dou nota da entrevista para lembrar que nesta altura o DN tem cerca de dúzia e meia de jornalistas, o que diz bem do estado a que chegou o jornal centenário de referência em Portugal que resistiu ao passar do tempo. O pretexto para falar deste caso é também a insolvência da empresa dona da revista Visão e Exame, as propostas de rescisão amigável no jornal Público, e a forma como o falso jornalismo televisivo está a querer ajudar a acabar com a profissão mais bela do mundo. À excepção do Correio da Manhã e do Expresso, o panorama do jornalismo português ao nível dos grandes meios está pelas ruas da amargura. Como a profissão está em decadência, não há novas fornadas de jornalistas que daqui a uma década, no mínimo, ocupem o lugar daqueles que ainda fazem o trabalho de casa, embora cumprindo apenas o mínimo dos mínimos. A distribuição está definitivamente nas mãos de uma só empresa, as gráficas para lá caminham e as tiragens começam a ser insignificantes, o que, lamentavelmente, vão levar à falência da maioria dos títulos que ainda resistem (O MIRANTE, por exemplo, já é impresso em Espanha há mais de um ano por falta de soluções em Portugal). Ao contrário do que se esperava, a imprensa local e regional vai pelo mesmo caminho, por mais estranho que pareça.
Um estudo, que também chega de Espanha, que em termos de imprensa escrita é das mais fortes do mundo, prova que há uma campanha de mensagens de ódio contra os meios de comunicação social que não são espontâneas. A conclusão surge na sequência de uma investigação que analisou mais de nove milhões de mensagens nas redes sociais. O trabalho, dirigido por investigadores da Universidade Internacional de La Rioja (UNIR) e com a participação de académicos de outros sete centros, descobriu padrões de escrita, horários e dias em que as mensagens de ódio são recebidas nos meios tradicionais na Internet, tanto na rede X e Facebook, como nas suas próprias páginas. O resultado do estudo é uma descrição da situação que enfrentam os media espanhóis desde há uns anos. Nas plataformas analisadas, as mensagens são maioritariamente de ódio e uma grande parte são mensagens de desprezo, insultos e ameaças. O estudo converteu-se, este ano, num monitor permanente que analisa, dia a dia, o ódio contra os meios de comunicação tradicionais. A monitorização classifica o ódio por intensidade e categoria. Isso permite ver se, num determinado momento há mais ataques contra mulheres, imigrantes, minorias sexuais, políticos, etc. Também analisa a intensidade porque as mensagens com ameaças podem ter consequências legais e os investigadores descobriram que milhões de mensagens menos importantes acabam por criar um problema para as sociedades, porque permitem incorporar o ódio na cultura. "A normalização de estados de ódio é o perigo mais patente para uma democracia”, refere o investigador. JAE.
Sem comentários:
Enviar um comentário