quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Os nossos governantes são filhos e netos do 25 de Abril mas não parece

Juan Arias, Paulo Coelho, J.D Salinger, Santa Rita de Cássia e Maria Madalena, são as companhias do cronista em viagem que no lugar onde muitos vêem televisão gosta de ter uma estante com livros.


Estou a viajar com livros; que ninguém tenha pena de mim se entretanto ficar pelo caminho; sou dos que tem uma estante de livros onde muitos têm uma televisão ligada à desgraça do mundo em que vivemos, e que as televisões ampliam para poderem facturar e ganhar poder.

Nestes tempos de guerra e de pandemia, de política cada vez mais ao nível dos tempos inesquecíveis de Alves dos Reis e de Salazar, cada ser humano devia ter uma estante com livros no lugar onde tem uma televisão. Não tenho pena das pessoas que passam o dia pregadas a ver as desgraças na CMTV mas como jornalista tenho obrigação de falar do assunto para que os mais avisados não se deixem cair no logro e tomem conta da sua saúde mental.

Estou a viajar com livros; dois deles são de Juan Arias, um jornalista e escritor que admiro e por quem tenho amizade; um dos livros é de entrevistas a Paulo Coelho, onde o escritor mais lido em língua portuguesa e, dizem um dos mais lidos no mundo, assume que foi uma das suas muitas mulheres, Christina, que fez dele escritor ao incentivá-lo a viajar e a conhecer pessoas e territórios. Para quem gosta de calhandrar a vida dos famosos esta série de entrevistas que Juan Arias juntou num livro constituem uma biografia de Paulo Coelho onde ficamos a conhecer aquilo que normalmente não se conta se não for em resposta a perguntas de um jornalista.

Noutro livro de Juan Arias, “Rita, a Santa do Impossível”, ficamos a saber que uma das lendas em torno de Rita “surge quando da sua entrada para o Convento de Cássia. As monjas, para porem à prova a sua humildade e obediência, obrigaram-na a regar todo o dia uma planta seca. Rita, mesmo sabendo que era inútil, por obediência, continuava regando-a pontualmente. Daí nasceu a lenda do milagre: a planta acabou renascendo como fruto milagroso da sua obediência”. Há um terceiro livro sobre o qual já escrevi nesta coluna, que se deve a um trabalho de pesquisa do autor sobre “o segredo mais bem guardado da Igreja que são as relações entre Jesus e Maria Madalena, livro que defende a ideia gnóstica da mulher, que ficou a dever o seu nome à terra onde nasceu que era a de que “a salvação se conquista mais pelo caminho da iluminação que pelo das renúncias ou das acções externas de Deus.”

Ando a viajar com a cabeça cheia dos livros que tenho nas estantes de uma casa algures no Ribatejo. Trouxe um para a viagem e agora vou comprando outros, embora acredite que quando chegamos a uma certa idade estamos sempre a comprar e a ler o mesmo livro.

Sempre que viajo para fora faço algumas caminhadas para dentro. Numa dessas voltinhas às estantes encontrei J.D. Salinger, autor de um livro famoso que li há muitos anos sem deixar rasto durante a leitura, como é meu hábito. Vou finalmente atrás do prejuízo e reler aquilo que já li e não guardo memória. É disto que se vive quando ficamos cansados da nossa triste realidade; quando ficamos cheios de vento e julgávamos que era sabedoria; quando vivemos uma vida rendidos aos mistérios das coisas e um dia reparamos que não há mistério nenhum quando mergulhamos no rio ou no mar, quando comemos figos da árvore à beira da estrada, quando viajamos sozinhos e deixamos a pele pelo caminho para voltarmos ao lugar de partida e voltarmos a viver outra vez (de) todas as ilusões.

Acabo como comecei; vivemos num país onde a maioria dos governantes são filhos do 25 de Abril, mas governam o país como se fossem filhos e netos de Salazar; a educação, a cidadania, a justiça, o investimento no combate à corrupção na máquina do Estado são fruto de políticas pobres, ao jeitinho de quem governa uma televisão que para conquistar audiências tem que estar sempre ligada à desgraça e ao crime. JAE

Nota: Juan Arias vive no Brasil há mais de duas dezenas de anos depois de uma vida de jornalista em Espanha e também durante 14 anos em Itália onde acompanhou uma centena de viagens dos Papas Paulo VI e João Paulo II. O seu melhor livro é de crónicas onde conta que o melhor lugar do mundo para fazer turismo é o Norte de Portugal, onde os turistas que se perdem nas aldeias são convidados pelos residentes a entrarem nas suas casas e a provarem a comida caseira do almoço ou do jantar. A maior parte dos seus livros são publicados pela editora Objectiva.

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