quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Os dias mais leves que os livros debaixo do braço

Fiquei tão desiludido com os políticos que herdaram o país de Salazar e Marcelo, que não me contentei em fazer parte da tribo. Desde cedo percebi que ou era igual a eles e pensava como eles, ou acabava a brigar por tudo e por nada, como aconteceu a muitos que ficaram pelo caminho por não aceitarem dobrar a espinha.


Nunca li Friedrich Engels, Karl Marx , Lenine e mesmo Churchill, e outros políticos famosos mais recentes só os conheço de filmes ou documentários. Tenho apreço pela política, mas não tenho apreço suficiente pelos políticos para trocar os meus autores poetas, romancistas e aventureiros preferidos, pela vida chata e às vezes medíocre dos políticos.

Cresci no tempo da ditadura salazarista a trabalhar atrás de um balcão de uma taberna e de uma cervejaria, e fui um rapaz de confiança de muitos cidadãos do contra, que se reuniam quase diariamente à volta de uma mesa a discutir a situação política do país. Com 13 anos já era obrigado a jurar que não ia contar nada do que ouvia; estes avisos serviram para apurar a curiosidade, e hoje posso dizer que embora não fosse um adolescente politizado, sempre fui bem informado; aprendi a guardar segredos; ainda rapaz percebi que merecia a confiança dos homens em assuntos que podiam pôr em risco a sua vida e a das suas famílias. E desde o primeiro dia em que fui avisado para tapar os ouvidos, até ao dia em que comecei a ser desafiado a dar opinião, passaram muitos poucos meses.  Talvez por isso, muitos anos mais tarde, quando senti que já tinha o diploma da universidade da vida, fiz-me jornalista. Fiquei tão desiludido com os políticos que herdaram o país de Salazar e Marcelo, que não me contentei em fazer parte da tribo. Desde cedo percebi que ou era igual a eles e pensava como eles, ou acabava a brigar por tudo e por nada, como aconteceu a muitos que ficaram pelo caminho por não aceitarem dobrar a espinha. Sempre fui um rapaz do associativismo e da política, e para continuar a ser útil à minha terra tinha que encetar um projecto pessoal numa outra actividade que servisse a comunidade, e onde não se pudesse ser trafulha, ter duas caras, faltar ao prometido, roubar o cidadão, enganá-lo na sua santa inocência, viver à custa do Estado, enfim, ser o palhaço que são muitos dos políticos que nos governam no Terreiro do Paço mas também em muitas autarquias.

Recentemente contamos neste jornal a história de uma senhora de Tomar que quase ficou maluca às mãos de um director de hotel. As televisões apanharam a história do jornal e convidaram a senhora a contar o seu drama em directo, naqueles programas em que até as pedras choram. Lu, foi assim que a identificamos, aceitou contar a sua história, mas recusou dar a cara porque o meio é pequeno e tinha medo de nunca mais arranjar emprego. Vai daí, todas as televisões esqueceram o assunto. Conclusão: se um cidadão injustiçado não aceita dar espectáculo, tanto faz que tenha sido violado como comido com alho e azeite. Este país das televisões não é diferente do país dos políticos gatunos e analfabetos, que não honram a revolução do 25 de Abril.


Estou a viajar com livros debaixo do braço mas o que fica na memória todos os dias são as lições da viagem. Nos últimos dias não tive luz suficiente no quarto para ler, durmo com as galinhas e de barriga cheia de vento; fui recebido numa pousada com areia nos olhos depois de fazer caminhos abertos pelas chuvas e pela força das ondas do mar. Sou leitor de O MIRANTE diariamente, mas só tenho Internet quando Deus quer.

Escrevo no telemóvel o diário da viagem e isso basta-me para me consolar do despojamento a que sou obrigado. Os últimos dias ficaram mais leves que os livros debaixo do braço. Ainda estou a meio do caminho mas já vejo que o caminho tem um fim. Esta é a parte mais marcante da viagem. Não é no meio que está a virtude; no começo e no final é que se avaliam todos os merecimentos. JAE.

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